Uma reflexão que me ficou às voltas na cabeça depois da viagem à Chechénia, foi a de tentar perceber os motivos do apoio popular a Ramzan Kadirov. Certamente que não me convenci que o apoio possa chegar aos 99%, como indicavam os resultados das eleições parlamentares de Dezembro passado, mas pelos comentários das pessoas em Grozny e Chali, a grande maioria pôs-se do lado de Ramzan. Parece que não têm importância os métodos que usava a “guarda do presidente”, que ele chefiava quando era presidente daquela república da Federação Russa o seu pai, Akhmad Kadirov. Parece que também não sejam relevantes os “sinais exteriores de riqueza” que de repente apareceram nos hábitos da nova elite chechena, e que ninguém lhes queira perguntar donde lhes vêm o dinheiro. A “estabilidade” que agora a Chechénia tem, pode ser relativa, mas é a melhor que se conseguiu nos últimos 15 anos. Além disso, passou a circular bastante dinheiro, destinado à reconstrução daquela república. Uma coisa e outra significam para os chechenos a esperança de um futuro. Quem montou agora o seu pequeno negócio espera que a situação se mantenha como está, para o fazer crescer. Quem entrou para a universidade espera poder chegar ao fim dos estudos, sem outras atribulações. Já para não falar nas situações mais óbvias, das mães que esperam poder fazer crescer os filhos sem as angústias porque passaram em anos anteriores. Por isso não tem nenhuma importância o passado de Ramzan. “O presidente” é bom porque a situação actual é melhor de tudo o que experimentaram nos últimos anos.
O exemplo checheno fez-me pensar também no caso da Rússia e do grande apoio a Putin e, agora, por tabela, a Medvedev. Obviamente, os russos em geral não tiveram de passar por situações tão trágicas como as que abalaram os chechenos. No entanto, de uma outra forma, a Rússia teve as suas crises, as suas “ruínas”, e falta de estabilidade, sobretudo depois do desmembrar-se da URSS, durante a década de 90. Os dois mandatos de Putin representam de alguma forma o regresso à estabilidade e, consequentemente, a esperança de que as coisas vão continuar a melhorar, de que o futuro será previsível, que se podem fazer planos para a vida. Obviamente que todos sabem que há muita coisa que está mal, mas preferem pô-las em segundo plano. Todos sabem que o sistema não corresponde aos padrões democráticos ocidentais, mas mantém a atitude de preferir que “não nos chateiem com essas coisas”. A esperança que resulta de se sentir mais seguros, mais “ricos”, mais fortes, empurra as exigências de democracia e de liberdade lá bem para o fundo das consciências dos cidadãos. Como me explicava uma vez um especialista em “psicologia de marketing”, as escolhas das pessoas são quase sempre emotivas, depois vão arranjar os argumentos para justificar a escolha que já fizeram. Putin representa a intuição da segurança e da estabilidade, os argumentos e a propaganda só vêm dar uma ajuda.
A pergunta que se põe é que, sendo assim, para quê os receios da classe no poder? Porquê o controle rígido dos meios de comunicação? Porquê as dificuldades que não permitiram as candidaturas à presidência de Garri Kasparov ou de Mikhail Kassianov? Porquê os obstáculos aos observadores da OSCE? etc. etc.
Talvez exista uma resposta objectiva, que possa ser dada por pessoas mais competentes. Eu volto ao que vi na Chechénia. Se a situação na Chechénia é tão segura e tão calma quanto dizem, porquê a escolta da polícia especial? Porquê as evidentes medidas de segurança?
Assim como na Chechénia preferem ter medidas de segurança a mais – nunca se sabe... – também a actual classe dirigente russa prefere não correr riscos. Por isso é melhor que não haja candidatos independentes, que não haja demasiados observadores internacionais e que não se sintam demasiado à vontade, que não haja debates na televisão com “o candidato” (não vá ele fazer má figura), etc.
Também essas medidas de “segurança a mais”, que podiam ser entendidas como um sinal de que alguma coisa não funciona, são relegadas para o “saco” das coisas que têm de ser toleradas, a bem da escolha que já foi feita a favor das “certezas” actuais. Quem se viu atrapalhado no meio do pântano tem receio de pisar em terreno incerto.
OU COMO DE UMA CITAÇÃO INCORRECTA PODE VIR UMA CRISE DIPLOMÁTICA
Ontem fui à conferência de Imprensa do representante da Rússia na NATO, Dmitri Rogozin, sem estar muito convencido de que valia a pena, o tema era o Kosovo e praticamente já se conhecem bem as posições de todos os “parceiros” internacionais. Voltei ainda sem estar muito convencido se tinha valido a pena. Curiosamente, vejo mais tarde na internet, que Rogozin teria dito que «Se hoje a UE adoptar uma posição unida ou a NATO ultrapassar o seu mandato no Kosovo, estas organizações desafiarão a ONU e nós também partiremos do princípio de que devemos utilizar uma força brutal, que chamamos de força armada, para que sejamos respeitados». Convencido de que não estive assim tão distraído durante a conferência (ligação video com Bruxelas) fui verificar. Efectivamente na citação faltam partes e falta o contexto, o que pode dar a entender que Rogozin ameaçava com uma intervenção armada no Kosovo, o que além do mais seria muito pouco realista. Parece que a notícia tinha sido difundida assim pela Interfax.
Hoje de manhã a coisa já tinha dado a volta ao mundo e o vice-secretário de Estado norte-americano Nicolas Burns, acusava Rogozin de afirmações “absolutamente irresponsáveis” e exigia que o governo russo apresentasse um desmentido oficial das “afirmações cínicas e sem fundamento histórico do seu embaixador”.
Rogozin fez de facto algumas acusações de peso ao afirmar que “provavelmente” a actual classe dirigente do Kosovo tinha beneficiado de financiamentos resultantes do tráfico de droga. No que respeita à intervenção armada da Rússia, ninguém que tivesse ouvido o que ele disse podia ter ficado com essa ideia. Aliás a RIA Novosti, onde foi a conferência de imprensa, deixa acessíveis no seu site as gravações, mas é evidente que a Administração norte-americana não se dá ao trabalho de ir conferir as notícias até esse ponto.
Tratava-se de uma resposta a um jornalista sérvio que queria saber se a Rússia tencionava fazer mais alguma coisa. Rogozin respondeu com um tom ligeiramente irónico que “guerra não vai haver, de certeza, entre a Rússia e a NATO, por causa do Kosovo, isso eu posso garantir”. Mais adiante (estamos a chegar) afirmou: “Guerra não vai haver, mas um entendimento recíproco profundo e progressos noutras direcções (também não), porque existem agora pontos de vista diferentes sobre os conflitos e diferentes pontos de vista sobre como se deve comportar um Estado por bem (decente, civilizado) numa situação não simples. Os conflitos de pontos de vista são evidentes. Tenham em conta que o problema não está na Rússia mas nas relações com os sistemas de segurança internacional.
Na ONU, a discussão sobre o Kosovo, não levou a que o ponto de vista da necessidade da independência do Kosovo prevalecesse no Conselho de Segurança. Pelo contrário os países que insistiam na posição de Pristina ficaram em minoria absoluta. O que é que isto significa? Significa que a UE, se conseguir concordar uma posição comum, ou a NATO, se for para além do seu mandato, definido pela ONU, se estas duas organizações entram em conflito com a ONU, então a coisa é séria. Já não se trata das relações NATO-Rússia, é já um conflito com o sistema de segurança internacional. Isso é uma questão que já não é diplomática, mas uma importante questão política. Uma questão do futuro. É a questão de saber se existem regras de comportamento decente entre os Estados, ou se se deve partir da política que quem tem força tem razão. Então para a Rússia isso também é uma conclusão a tirar. Então também nós vamos partir do princípio que, para que nos tenham respeito, para que nos compreendam, e reconheçam os nossos direitos a ter um ponto de vista, temos que ter força física grosseira, que se chama forças armadas, cujo dia festejamos amanhã”.
Obviamente que a agência que tentou transmitir o “conteúdo”, transmitiu só as partes mais salientes, modificando o sentido geral.
Antes Rogozin tinha dito, a propósito do reconhecimento da independência do Kosovo, que a Rússia não ia fazer mais nada. “É um erro estratégico tal como o da invasão do Iraque. Tentámos avisar ...”
É óbvio que a posição russa só pode ser a de oposição teórica, sublinhando as questões de princípio, sem ter meios (talvez nem motivos) para tomar medidas contra os países que optam por apoiar Pristina.
Quanto às exigências de Nicolars Burns, a resposta de Rogozin foi que “use fontes de informação mais fidedignas e que não espalhe mentiras”. O tom da discussão pode continuar a subir...
Eu tinha estado na Chechénia há oito anos, exactamente quando decorriam as eleições presidenciais que marcaram o início do primeiro mandato de Vladimir Putin. Ver a Chechénia oito anos depois enchia-me de curiosidade. O nível de destruição que tinha visto em finais de Março de 2000 era chocante. Não me lembro de ver um edifício em Grozny que não tivesse marcas da guerra. Pessoas eram pouquíssimas ou pelo menos não se viam na rua.
Durante anos a anunciada reconstrução da Chechénia marcou passo. Nos últimos anos houve progressos. É evidente que Putin não queria deixar a presidência sem apresentar pelo menos as fachada reconstruídas.
Aeroporto de Grozny. Quem nos dá as boas-vindas?
Actualmente de Moscovo há três voos directos para Grozny. São os três únicos voos que o aeroporto recebe, foi construído um novo terminal aéreo, moderno e sem olhar a despesas. Curiosamente quando se trata de recolher a bagagem o sistema é de regressar por uns momentos à pista e procurar a própria mala num molhe que ali foi deixado pelos bagageiros. À chegada o visitante é saudado por dois grandes placardes: Putin e Akhmad Kadirov. Vão ser uma constante em “cada esquina”. Akhmad Kadirov, o primeiro presidente da “nova” Chechénia e pai do actual presidente Ramzan Kadirov, foi o homem
Aqui eu comecei a notar algumas semelhanças entre Grozny 2000 e Grozny 2008. Na primeira o autocarro dos jornalistas era escoltado por dois carros blindados, uma carrinha e uma dezena de soldados. Agora o autocarro tinha uma escolta de três “jipes” da “OMON” (polícia especial), dois carros da polícia, e cerca de uma dezena de elementos da força de intervenção da polícia (os tais OMON).
Certamente também por causa da segurança o alojamento era no quartel da 46 Brigada do Ministério do Interior. Chamar-lhe quartel é favor, porque se trata de uma extensão enorme onde vivem 15 mil militares. O alojamento era numa residência dos oficiais, onde, como é tradição desde os tempos soviéticos os oficiais vivem com as suas famílias. O nível de conforto é militar. A disciplina também. O nosso “chefe”, um oficial que não andava fardado e dava pelo nome de Vadim, implicava seriamente com os que chegavam atrasados para o pequeno almoço e quase que nos fazia marchar até à cantina. Era uma forma de nos lembrar que estávamos na zona da “Operação Contra o Terrorismo” como se chama oficialmente a guerra na Chechénia.
No quartel da 46ª brigada.
De resto Grozny apresentava-se, de facto, diferente. Dizem que é difícil encontrar actualmente casas com marcas da guerra. Difícil mas encontra-se. No entanto, tenho que admitir que foi feito um trabalho colossal de reconstrução. Abundam ainda os espaços vazios circundados por muros, nos sítios onde antes estava um edifício semi-destruído.
Portas de Grozny.
Entrada monumental na cidade pelo lado sul.
As iniciativas que vêm em evidência são em geral atribuídas a Ramzan. O “Liceu Presidencial” que pretende ser a escola modelo do Cáucaso abriu no início deste ano lectivo graças a Ramzan. O novo hospital, que pretende estar à altura das clínicas modernas, foi possível graças a Ramzan. A Universidade têm um complexo desportivo oferecido por Ramzan.
Quando, voltando de Chali parámos junto às “portas de Grozny” para fixar as imagens do “arco do triunfo” da Chechénia, a certa altura houve alguma agitação. Era Ramzan que tinha parado o seu mercedes preto no meio da estrada para falar com os jornalistas. É claro que no meio da estrada não se entra muito em detalhes e é mais fácil “despachar” as perguntas incómodas. O núcleo da mensagem do líder checheno era que “primeiro tivemos que tratar da segurança, agora vamos levantar a economia”.
O presidente.
Ramzan Kadirov até para na estrada para falar com os jornalistas...
Os heróis.
Ao lado dos omnipresentes Kadirov pai (Akhmad) e Kadirov filho (Ramzan) também aparece, de vez em quando Putin.
O problema é que a Chechénia tem um desemprego entre os 50 e 60% (dados deles). O comércio vê-se a olho nu nas ruas de Grozny, desde os vendedores ambulantes, até à novas lojas que são muito, com um curioso predomínio de farmácias. A este propósito há um detalhe significativo que nos foi dito pela vice-directora clínica do hospital, Lisa Dareeva, que na Chechénia há actualmente um grande número de diabéticos e de doenças cardiovasculares, que ela atribui ao resultado do stress provocado pela guerra. Outro detalhe curioso o salário da médica, no topo da carreira: 6 mil rublos ou seja 167 euros. O chefe do serviço de anestesia ganha 5 mil rublos (139 euros) e uma enfermeira um pouco mais de 3 mil (83 euros). Em termos de comparação um dos soldados OMON da nossa escolta disse que ganhava cerca de 25 mil euros (quase 700 euros). Tem-se uma ideia da ordem de prioridades. Também o vice-reitor da Universidade de Grozny, afirmou que em termos de emprego dos licenciados, a situação é problemática e que muitos, depois de terminarem a universidade procuram trabalho nas forças armadas. Os mais sortudos arranjam emprego nas estruturas do governo da república.
Junto ao mercado de Grozny
dois elementos da nossa escolta durante a visita à universidade, de conversa com alguns estudantes
Uma nota comum nas maioria das pessoas que se encontra é de não deixar fugira a oportunidade de enveredar por uma Chechénia pacífica. Vera Umalatova, directora do tal “Liceu Presidencial”, que viveu meses numa cave, durante a guerra, onde se refugiavam 57 pessoas. Quando se lhe pergunta de quem foi a culpa daquela tragédia, diz de forma muito correcta, “somos todos culpados”. Mas sublinha que não conhece “nenhuma mãe, nenhuma mulher que actualmente queira vingança”. “A alma tem necessidade de perdoar”, afirma insistindo que agora “todos queremos paz”.
Esta necessidade de paz e de poder viver, de poder estudar, de poder trabalhar (esta parece ainda difícil) tem coagulado a população em torno de Ramzan. Parecem dispostos a esquecer métodos e brutalidades, desde que mantenha o país em paz.
O lenço lilás é a farda para as meninas. O país é muçulmano.
Nova mesquita.
Dizem que é a maior da Rússia.
A mega conferência de Imprensa de Vladimir Putin, na quinta-feira, teve já um sabor de despedida. Mas daquelas despedidas que é mais “até logo” ou “até já”. De facto Putin pensa mudar de posição mas continuar à frente de uma boa parte do poder de decisão da Rússia, assumindo o cargo de primeiro-ministro e com um presidente em que, como o próprio Putin disse, tem uma grande confiança. Mas há quem já esteja a pensar num regresso triunfante. De acordo com o jornal Kommersant, a Duma de Estado está-se a preparar para dar o golpe, ou melhor para dar a Putin a possibilidade de um regresso de longo prazo. A notícia era que os deputados preparam uma lei para ampliar o mandato do presidente de 4 para 6 ou 7 anos. Isso quer dizer que se Putin concorrer em 2012 e for eleito (ambas as coisas são muito prováveis) podemos vê-lo no Kremlin até 2026. O diário moscovita assegura que nos bastidores do Kremlin não houve movimentações contra a iniciativa e lembra que o próprio Vladimir Putin, tinha admitido, em meados do ano passado, na altura do encontro do G-8, que “quatro anos é um prazo bastante curto” e que seria mais adequando um mandato de 5, 6 ou 7 anos. Mas Medvedev ainda não vai beneficiar da benevolência da Duma. Por um lado ainda a coisa começou agora a ser falada, depois parece que já estava combinado que alterações à Constituição, só depois das eleições deste ano. Os sociólogos do Centro Levada, que se pode considerar bastante independente das “encomendas” governativas, dizem que 55% dos russos são favoráveis a uma ampliação do mandato presidencial e cerca de 34% são contra. Pode-se fazer planeamento (político) a longo prazo e, além disso, poupa-se uma data de dinheiro em eleições.
Entre as pessoas que viveram na carne e na alma a tragédia da escola de Beslan, há quem não se tenha conformado com a maneira como a história foi contada. A versão oficial apresenta várias lacunas que algumas pessoas consideram insustentáveis tendo em conta o nível de sofrimento porque passaram. A “Voz de Beslan” é uma organização que resultou de uma certa insatisfação com o que faziam as “Mães de Beslan”. Como já aqui escrevi há alguns meses, no verão passado tive ocasião de conhecer algumas das dirigentes da “Voz de Beslan”, Ella Kessaeva, Emma Tagaeva e Svetlana Marguieva. Deve-se dizer que as pessoas que se reuniram na Voz de Beslan, atribuem parte das culpas do que se passou às autoridades russas, quer federais quer da república da Ossétia do Norte. O trabalho que fazem, ou melhor que tentam fazer, é em grande parte provar no tribunal que há culpados que não foram responsabilizados pelo que aconteceu. Ella Kessaeva não tem papas na língua e afirma que mesmo Putin tem de responder pelo que se passou
Para que se perceba o que move estas mulheres, deve-se dizer que todas passaram de alguma forma pelo inferno do ginásio da Escola Nº1. Ella Kessaeva estava lá com a filha e salvaram-se ambas. Svetlana Margieva estava lá com uma filha e um sobrinho, a filha morreu, e ela mesma fico gravemente ferida. Emilia Bzarova estava na escola com os dois filhos, um deles morreu.
A descrição do que se passou na altura do assalto, segundo Ella Kessaeva, foi razoavelmente bem documentado no relatório do deputado (da anterior legislatura) Iuri Savelev, que se recusou a assinar o relatório oficial da comissão parlamentar de investigação, da qual fazia parte. Um dos pontos cruciais do relatório de Savelev é que a explosão inicial, que desencadeou o tiroteio e despoletou a tragédia, resultou de um tiro de lança-granadas disparado dum telhado nas imediações da escola. As queixas da Voz de Beslan vão sobretudo para o “gabinete de crise” que geria a situação em Beslan, e para quem estava em níveis de decisão mais acima (Moscovo). Como as autoridades já procuraram por vários meio calar a Voz de Beslan, é realmente de temer que possam recorrer a um processo montado para darem o golpe final a esta organização “extremista”.
Entre Moscovo e Kiev temos outra vez guerra do gás. Não é de estranhar, desde a última campanha eleitoral na Ucrânia, que se sabe que Iulia Timochenko tinha intenções de meter o nariz nos acordos sobre o gás, assinados entre a Gazprom e a Naftogaz Ukraini. Timochenko considera “duvidosas” as companhias intermediárias que fornecem metano aos consumidores ucraniano. No caso presente uma das empresas intermediárias é a RusUkrEnergo, que em parte (50%) pertence à Gazprom, e outros 50% a outros investidores que se verá mais à frente. Outro intermediário que, se percebi bem recebe o gás do intermediário precedente e o distribui, é a UkrGaz-Energo, cuja propriedade está irmamente dividida entre a Gazprom e a correspondente ucraniana Naftogaz Ukraini. A criação de empresas “pequenas” que vendem ao cliente final ou compram aos fornecedores de uma grande companhia estatal, é uma prática comum, pelo menos lá para os lados da ex União Soviética. Frequentemente há uma tendência para que os quadros dirigentes destas empresas satélite tenho um grau de parentesco próximo com os dirigentes das correspondentes grandes empresas estatais. Mas não é isso que agora interessa.
A Ucrânia compra gás da Ásia Central, ou seja, sobretudo do Turcomenistão. O tal país onde o anterior presidente desenvolveu um culto exacerbado da personalidade, e tentou convencer todos que viviam no melhor país do mundo. O metano é transportado pelos gasodutos pertencentes à Gazprom, mas a certa altura, antes de chegar à Ucrânia, torna-se propriedade da RusUkrEnergo. Deve-se dizer que a RusUkrEnergo é de facto “RusUkrEnergo AG”, uma respeitável empresa registada na Suíça, com um capital social de 100 mil francos suíços, e que além de ser 50% da Gazprom, tem ainda como proprietários, Dmitri Firtach (45%) e Ivan Fursin (5%). Consta da Imprensa russa, que Firtach, cuja carreira como empresário teve uma ascensão espantosa, foi (ou é) parceiro de negócios de Simion Moguilevitch, que recentemente foi detido em Moscovo, com uma desculpa mal amanhada, mas no fundo é porque era um dos homens mais procurados pelo FBI como representante do crime organizado (mafia). Isso não quer dizer que Firtach tenha alguma culpa, mas percebe-se que Iulia Timochenko prefira não ter intermediários a fornecer o gás.
Bem parece que houve problemas com o gás da Ásia Central, porque o inverno foi frio, os investimentos na extracção são poucos, e o resultado foi que não chega para o que consomem os ucranianos. O resultado é que a RusUkrEnergo diz que teve de fornecer gás russo que custa 314,7 dólares por cada mil metros cúbicos, em vez do tal do Turcomenistão que custava 179,5. Não me perguntem porquê, porque a maneira como se formam os preços do gás no espaço ex-soviético é um mistério complicadíssimo, e depende de imensos parâmetros, desde quem é o intermediário, a quem é o cliente final, que relações é que ele tem com os amigos do presidente, etc. Os custos de extracção e transporte têm um papel muito secundário nesses cálculos. E agora vamos lá a perceber qual foi o gás que foi vendido à Ucrânia pelo preço turcomeno e qual pelo preço russo. Agora a Gazprom diz ainda que os ucranianos foram “ficando” com uma parte do gás que estava em trânsito e que não era deles, de qualquer forma vão ter que o pagar (ao preço russo, claro está). Bom o que se está a ver é que a probabilidade de vir a haver uma (ou duas, ou n) nova crise de gás com a Ucrânia, que se propaga aos países vizinhos, é muito grande.
Problemas com o gás já havia nos tempos em que o presidente era Leonid Kutchma. Já nessa altura ele admitiu várias vezes que havia “desvios” de gás, quando a necessidade era muita e o dinheiro era pouco. Mas ele lá prometia ir pagando e eles lá se conseguiam entender. Agora que a chefiar o governo está a líder da “revolução laranja”, que continua a prometer que vai meter na linha todos os que andam a ganhar dinheiro à custa do gás e doutros recursos, a fazer críticas a Moscovo e a fazer olhinhos à NATO, não há boa vontade que chegue para amolecer os governantes russos. Digo governantes, porque a Gazprom é do Estado, ou melhor é uma parte do Estado, que financia as necessidades do governo e castiga os inimigos da pátria (com preços altos e cortes de fornecimentos, de preferência no inverno).Vassili Alexanian vai ser internado numa clínica especializada. A notícia veio do gabinete de Imprensa da direcção dos serviços prisionais russos que afirma que “com base num conselho médico e nas recomendações de especialistas... foi decidido o internamento do réu numa das clínicas especializadas”. Alexanian vai ser mantido sob custódia, dado que o tribunal não aceito o pedido da defesa de alterara a medida de prisão preventiva, mas poderá (espera-se) receber tratamento adequado. O conselho médico confirmou que além de SIDA em fase adiantada, o ex-dirigente da Yukos sofre de um cancro do sistema linfático. Por seu lado, Mikhail Khodorkovski suspenderá a greve de fome assim que se confirmar a decisão agora anunciada pelos serviços prisionais.
Na segunda-feira, o processo de Alexanian retomou com mudança dos (das) juizes(as). Em vez da juíza que tinha recusado os argumentos da defesa relativos ao estado de saúde de Alexanian, o tribunal passou a ser dirigido por um colégio de 3 juízas. A mudança de atitude parece ter sido quase imediata e ontem foi tomada a decisão de suspender o processo para tratamento do réu. Vê-se que a crise de consciência contagiou também os serviços prisionais, que aceitaram o que estavam a recusar há ano e meio, não obstante três decisões do Tribunal Europeu para os Direitos Humanos, no segundo semestre do ano passado. Há cerca de 15 dias, numa conferência de Imprensa, o dirigente do movimento “Pelos Direitos Humanos”, Lev Ponomariov, afirmou que era importante fazer o caso Alexanian chegar até aos ouvidos de Putin, comentando que algumas decisões não se tomam porque os funcionários não conseguem ter o “sim” do Kremlin. O caso Yukos está certamente sob controle dos colaboradores do Kremlin. Não é de excluir que “tantas” decisões positivas em tão pouco tempo tenham sido possíveis graças à linha telefónica do Kremlin se ter desentupido.
Alexanian é acusado de “furto de bens” da companhia petrolífera Tomskneft, e de “furto de acções” da companhia petrolífera VNK, num valor de 330 milhões de euros, e de “lavagem de dinheiro obtido por vias ilegais”. Os factos de que é acusado referem-se ao período de 1998-99, quando ele era chefe do departamento legal da Yukos. Estas acusações já foram utilizadas para condenar Svetlana Bakhmina, vice-chefe do mesmo departamento legal. Além disso, Alexanian é ainda acusado de fuga ao fisco. Alexanian afirma-se inocente e tem feito denuncias do sistema judicial da Rússia afirmando que os processos contra os dirigentes da Yukos são “uma profanação do direito”, “colaboradores da companhia, sem nenhuma culpa são acusados e condenados”.O tribunal de Simonovski, em Moscovo, decidiu hoje interromper o julgamento de Vassili Alexanian, vice-presidente da Yukos, que se encontra em prisão preventiva desde Abril de 2006, para que este possa receber tratamento. O tribunal não alterou no entanto a medida de prisão preventiva, como pretendia a defesa. Recorde-se que a Alexanian foi diagnosticada SIDA já em Setembro de 2006 e, recentemente foi-lhe diagnosticado um linfoma. Além disso, há suspeitas de tuberculose (por enquanto não confirmadas) e Alexanian perdeu grande parte da visão. A composição dos juizes foi alterada na segunda-feira, e a decisão agora tomada pode ser considerada um progresso, dado que na sexta-feira, a juíza tinha considerado que a defesa não tinha apresentado provas de que Alexanian estava gravemente doente (de doença fatal), e que “os argumentos da defesa da necessidade de internar Alexanian numa clínica especializada, não correspondem à realidade”.
No entanto, a decisão do tribunal não implica que o ex-vice-presidente da Yukos, seja internado numa clínica especializada, mas simplesmente que seja tratado no hospital da prisão “Matroskaia Tichina” onde se encontra. Conforme declarou o procurador Nikolai Vlassov, o tribunal não decide onde é que o réu deve ser internado, “essa é uma questão que deve decidir o médico chefe da secção de doenças infecciosas” do estabelecimento prisional. O procurador adiantou ainda que “em qualquer instituição médica (civil) se pode organizar um sistema de vigilância”, não excluindo assim que Alexanian possa vir a ser tratado em melhores condições, sem que a medida de prisão preventiva seja alterada. No entanto, a médica chefe da secção de doenças infecciosas da prisão, nunca se opôs anteriormente a que o paciente (ou o detido) fosse transportado para as sessões do tribunal ou para interrogatórios. Por seu lado o director dos serviços prisionais da Rússia, Iuri Kalinin, afirma que no estabelecimento prisional onde está Alexanian “existem todas as condições para receber assistência médica moderna e qualificada”. Kalinin ameaçou ainda pôr em tribunal a advogada Elena Lvova, "por difamação", na sequência das críticas que ela fez às condições em que se encontrava o seu cliente. Segundo Kalinin, é o ex-dirigente da Yukos que “por causas desconhecidas, recusa o tratamento”. Na sessão de ontem do tribunal foi feita directamente a pergunta a Alexanian se estava disposto a ser tratado, ao que ele respondeu que “sempre esteve disposto” a tratar-se.
Recorde-se que Alexanian afirmou em tribunal que o procurador, Salavat Karimov, lhe tinha proposto a possibilidade de tratamento contra um depoimento. Karimov ocupava-se na altura da acusação no novo processo em curso contra Mikhail Khodorkovski e Platon Lebedev, por isso pode-se deduzir facilmente contra quem ele deveria depor.
A situação em que se encontra Alexanian levou Khodorkovski a iniciar uma greve de fome (bebe só água), até que sejam concedidas condições normais de tratamento a Alexanian. Outras nove pessoas – sete em Moscovo, uma em Voronej e uma em Samara – entraram igualmente em greve de fome, com o objectivo de chamar a atenção para o caso Alexanian.