“Cristo Ressuscitou”, é a frase que se lê actualmente à entrada das igrejas ortodoxas, e nas muitas faixas que o município de Moscovo mandou colocar na cidade. Na Rússia é Páscoa, e é a altura em que até os que se consideram pouco “fanáticos”, se cumprimentam com o “Cristo Ressuscitou”, ao que se responde “em verdade ressuscitou”.
Este ano a Páscoa ortodoxa veio mais de um mês depois da Páscoa católica, ao contrário do que tinha sido no ano passado, em que calharam no mesmo dia. As questões das diferenças do calendário podem parecer problemas de menor importância, no entanto despertam-me alguma curiosidade. O motivo pelo qual a Igreja Ortodoxa Russa se regula por outro calendário, que não coincide como o dos países ocidentais, e desde 1918 não coincide com o calendário civil em assumido na Rússia, é um tema relativamente conhecido. A reforma do calendário juliano feita pelo papa Gregório XIII em 1582, não foi aceite pela Rússia, porque a Igreja Ortodoxa não reconhecia a autoridade do Papa. Essa reforma levou a fazer um salto de 10 dias, para repor o dia de referência do Concílio de Nicea (em 325 e. C.), 21 de Março, a coincidir com o equinócio da Primavera. Além disso foi introduzida uma correcção adicional que levou a retirar o dia a mais do ano bissexto em cada cem anos (1700, 1800...) excepto quando o ano é divisível por 400 (p.ex. 1600 ou 2000). A questão é que um ano solar tem 365,2425 dias. É quase mais um quarto (daí acrescentar um dia em cada quatro anos) que fica a sobrar aos 365 dias (0,2425), mas não é bem (para 0,25 falta-lhe 0,0075). As correcções do calendário gregoriano correspondem a ter em conta essa pequena diferença. Por isso, hoje a Igreja Ortodoxa tem um calendário que anda com 13 dias de atraso, o que leva a que o Natal (25 de Dezembro pelo calendário juliano) seja a 7 de Janeiro segundo o calendário gregoriano.
No entanto, sempre que eu quis saber porque é que a Páscoa às vezes está mais perto da Páscoa católica e outras vezes mais afastada, quase sempre a resposta, mesmo da parte de pessoas com uma boa cultura religiosa, era que “é muito complicado”.
Desta vez eu tentei saber mesmo os porquês, destas variações, e encontrei algumas explicações. A ideia da data da Páscoa vem do facto de os Evangelhos dizerem que Jesus foi crucificado na véspera da celebração da Páscoa judaica, e esta era, segundo o calendário lunar que então usavam, no dia 14 ou 15 do mês de Nisan. Como os meses do calendário judaico começavam com a lua nova, pode-se dizer que deve ser no 14º ou 15º dia depois da lua nova. A Páscoa cristã foi decidido que seria o primeiro domingo depois da primeira lua cheia, que se segue a 21 de Março.
Por aqui já se percebe que o efeito conjunto dos 13 dias de diferença e das luas, levam a que a Páscoa do calendário juliano e a do calendário gregoriano, andem para trás e para a frente de diferentes maneiras.
Para calcular quando é que vai ser a Páscoa no próximo ano, é preciso saber quando vai ser a “lua cheia pascal”. Classicamente recorria-se a tabelas, mesmo se há a possibilidade de recorrer a cálculos que permitem chegar lá.
Só algumas indicações:
As fases da Lua calham nas mesmas datas cada 19 anos. Pode-se calcular um número para casa ano de
No calendário gregoriano as coisas complicam-se por causa das correcções adicionais introduzidas. O “epacta” tem de sofrer várias correcções e feitas essas recorre-se ainda a outras tabelas.
As tabelas e a maneira de calcular os “números mágicos” não as vou pôr aqui. A coisa é interessante, mas admito que só para alguns curiosos. Eu queria só confirmar que existe uma lógica (e talvez também alguma falta de lógica) quando a Igreja Ortodoxa celebra a Páscoa numa data que varia de uma forma diferente da da Igreja Católica.
São as declarações do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Valeri Keniaikin, que interrogado sobre o que faria a Rússia pelos seus “compatriotas” que vivem na Abkházia e na Ossétia do Sul, no caso do governo da Geórgia se decidir por uma intervenção militar. “Nós faremos tudo para que o caso não chegue até ao conflito armado, mas se este for iniciado, então será preciso reagir com métodos militares”, disse o diplomata, acrescentando que “nós vamos defender os nossos compatriotas com todos os meios que temos à disposição”. Recorde-se que Moscovo concedeu passaportes russos a todos os habitantes da Abkházia e da Ossétia do Sul que o requereram. No entanto, Keniaikin afirmou que o seu país não é contra a integridade territorial da Geórgia, mas para que esta se torne uma realidade é necessário que as partes se sentem à mesa das negociações. O vice-ministro adiantou ainda que “tinha dúvidas que os EUA estivessem interessados na solução dos conflitos da Geórgia com a Abkházia e com a Ossétia do Sul.
Por seu lado Tbilissi já reagiu às palavras do representante da diplomacia russa, que consideram mais uma manifestação da agressividade da Rússia em relação à Geórgia.
O tribunal da cidade de Moscovo rejeitou, ontem, o recurso dos advogados do académico Igor Rechetin, condenado em Dezembro por “ter fornecido à China tecnologias de dupla (civil e militar) aplicação”, a 11,5 anos de prisão em estabelecimento de regime severo. Em defesa do investigador e de mais três seus colaboradores, levantaram-se duas dezenas de nomes famosos das ciências do Espaço, desde directores de Institutos até astronautas condecorados. De acordo com os especialistas de aerodinâmica e ciências do espaço, a informação que Rechetin forneceu a uma empresa estatal chinesa, com contratos devidamente visados pelas autoridades, não tem nada de secreto. De acordo com o académico Iuri Rijov, chefe da comissão para a defesa dos cientistas, a acusação apresentou “especialistas” que “ninguém conhece nessa esfera da ciência e da técnica” sem trabalhos publicados nas áreas em causa, que “depuseram por encomenda da acusação”. “Como resultado põe-se na prisão gente que não é culpada de nada, com penas que não dão nem sequer aos assassinos que cometeram series de crimes”, acrescentou Rijov. Rechetin estava já em prisão preventiva há mais de dois anos, depois de que o FSB desencadeou contra a empresa “CNIIMACH-Export”, do qual Rechetin era director-geral, uma acção e acusou a direcção do instituto de estar a fornecer à China informações que podiam ser utilizadas com fins militares, inclusivamente para a produção de armas de destruição em massa. A empresa foi criada para desenvolver projectos de colaboração no âmbito do CNIIMACH, um instituto de vanguarda no campo da investigação espacial.
O trabalho que os cientistas russos faziam para os chineses era o de efectuar ensaios em modelos de cápsulas giratórias para naves espaciais, e enviavam para a companhia nacional de importação e exportação chinesa, o referidos relatórios com os resultados dos ensaios efectuados. Os contratos começaram já em 1996, e foram enviados 25 relatórios técnicos. Como é exigido em contratos internacionais, estes foram submetidos a uma comissão especial que verificou que não dizia respeito a assuntos secretos e uma comissão de exportação que verificou que não estavam envolvidas tecnologias de dupla aplicação. Mas em finais de 2003, o FSB deu início a um processo crime alegando que se tratava de tecnologias de dupla aplicação. Os contratos assinados pela empresa criada por Rechetin tinham atingido um montante de 30 milhões de dólares e ele via já a possibilidade de chegar a 100 milhões nos próximos anos.
Nos anos 90, quando a investigação cientifica russa atravessava uma profunda crise di financiamento e as pessoas que trabalhavam nos institutos de investigação debandavam, o estabelecimento de contratos com instituições estrangeiras era a possibilidade de salvar recursos humanos e equipamento. A firma de Rechetin permitiu dar trabalho a 200 trabalhadores do CNIIMACH.
Igor Rechetin é filho de um famoso cientista, Andrei Rechetin, um dos pioneiros da indústria espacial russa, que diz que tudo isto é absurdo. “Essa informação (que a acusação considera secreta) está nos livros, nós estudávamo-la há 30 anos atrás”, afirma Rechetin pai.
Segundo Alexandre Kraiko, director do departamento de Aero-hidrodinâmica do Instituto Jukovski, trata-se de uma informação acessível ao público que “está publicada nos EUA e na Rússia na imprensa de livre acesso”, e afirma que falar de tecnologias de dupla aplicação é simplesmente “pouco sério”.
No entanto, Iuri Rijov, mostra poucas esperanças de que seja possível conseguir uma decisão diferente da justiça russa, dado que o processo avançou sob o controlo do FSB. Há vários outros casos em que cientistas foram acusados de ter vendido informações secretas para o estrangeiro. Entre os casos mais famosos estão Igor Sutiaguin, vice-chefe de departamento de investigações politico-militares do Instituto dos EUA e Canadá, condenado a 15 anos de prisão. E Valentin Danilov, físico da cidade de Krasnoiarsk, também ele acusado de fornecer informações secretas à China, condenado a 14 anos de prisão. Em ambos os casos, a defesa e os colegas afirmam que não existia nada de secreto na colaboração que estes mantinham de forma perfeitamente aberta.
Durante a sua intervenção no tribunal, Igor Rechetin fez notar que, durante os 2,5 anos que já passou na prisão, “às várias doenças crónicas que já tinha, juntaram-se outras novas, como esquemia cardíaca e hipertensão”.
A Rússia atravessa uma crise moral. Não é certamente a única crise que este vasto país enfrenta, e a interpretação desta afirmação varia muito consoante as pessoas que a pronunciam ou que a escrevem.
A presidente (e não reitora) da Universidade Estatal de S. Petersburgo, Ludmila Verbitskaia, escreveu ao ainda presidente e quase primeiro-ministro Vladimir Putin, manifestando a sua preocupação para o “baixo nível moral da sociedade” e para a “comercialização sem controle e degradante dos meios de comunicação”. O conteúdo da missiva é referido pelo jornal “Vedmosti” que teve acesso à mesma.
No entanto, o que preocupa a professora não é nem a pornografia, nem a pedofilia. Tão pouco parece ser a crise de valores universais como a justiça, a liberdade, o direito à vida, a liberdade de expressão, o direito à educação o a democracia. Ludmila Verbitskaia está preocupada com o “prejuízo diário que os meios de comunicação causam ao espírito (ou à espiritualidade)”, lamentando que “dos ecrãs tenha desaparecido a imagem do trabalhador moderno, que forma uma posição positiva, moral e autenticamente patriótica”. Queixa-se ainda que da “insuficiente propaganda do cumprimento dos deveres militares e do trabalho nas forças da ordem e nos serviços especiais (secretos)”.
Como solução propõe a criação de uma comissão “junto do primeiro-ministro” (tendo em vista Putin) que se ocupe da “política de Estado no âmbito do espírito”, de elaborar critérios de comportamento moral e de avaliar os conteúdos dos meios de comunicação. Deveria também preparar leis que estabeleçam limites para os descontrolados meios de comunicação.
Entre os nomes que a presidente da Universidade propõe para a dita Comissão, está o seu próprio, o do Patriarca Alexis II, o do general Valentin Varennikov (menos conhecido, mas um nacionalista ferrenho) e vários outros, que ao que parece nem sequer foram consultados para o efeito.
É provável que a carta da professora não dê origem a nada. No entanto, é a expressão de uma mentalidade que desperta novamente, em paralelo com o desenvolvimento de um regime mais centralizado, onde o Estado e a burocracia desempenham um papel crescente. Frequentemente, as propostas de lei que circulam na Duma de Estado (parlamento) são do mesmo teor e fazem apelo aos mesmos “valores”. Na Rússia, nalguns sectores da sociedade, confunde-se valores morais, com nacionalismo, e espiritual com adesão ao modelo patriótico oficial. Daqui se vê que a crise é mesmo grande.
Esperemos que com o tempo as “exigências espirituais” evoluam numa boa direcção.
Pelas notícias que chegam, as coisas na Chechénia continuam tensas, embora não tenham degenerado em combates abertos. Entre o batalhão de elite “Vostok”, comandado pelo “herói da Rússia” Sulim Iamadaev, e a guarda pessoal de Ramzan Kadirov a pressão recíproca mantém-se, embora tudo leve a crer que vão ser evitados os confrontos armados directos. As tropas de Kadirov libertaram pelo menos 8 dos 9 militares do agrupamento “Vostok”, que tinham detido durante as operações de ontem à noite. O cerco montado à casa de família dos Iamadaev, resolveu-se sem excessos com uma rusga oficial sem grandes pretensões. Confirma-se, no entanto a morte de dois elementos do batalhão Vostok. O presidente checheno, Ramzan Kadirov, perante as câmaras da televisão (conforme refere a RTVI) afirmou que os irmãos Imadaev (Sulim Imadaev é o comandante do batalhão Vostok) são culpados de vários crimes, nomeadamente do assassínio de cinco pessoas na aldeia de Borozdinovskaia, de rapto de 11 habitantes da aldeia e de terem ainda incendiado casas. Acusa-os ainda de serem responsáveis por uma ocupação de tipo mafioso, da empresa Samson, em S.Petersburgo (um caso que deu que falar há algum tempo atrás). Segundo as informações disponíveis Sulim Iamadaev não se encontra na Chechénia, mas algures no território russo, ao que parece, em tratamento. Em compensação, o irmão mais novo Badrudin Iamadaev, é activamente procurado pela polícia local. Entre as acusações figura a de “recurso à força contra as autoridades governativas”, ou seja o facto que ocorreu na segunda-feira, relatado anteriormente.
Segundo alguns observadores, Kadirov tenta, mais uma vez, eliminar forças militares operativas, que não se encontram sob o seu controle directo. Alguns dos militares do Vostok que foram detidos na noite de segunda-feira, afirmaram que lhes foi oferecido dinheiro para “virarem a casaca” e se passarem para os “kadirovtses”. “Depois de há um ano e meio atrás ter conseguido legalizar praticamente todos os guerrilheiros separatistas que se passaram para o lado das tropas federais Kadirov começou a tentar livrar-se das forças militares que não se encontravam sob o seu controlo”, refere o jornal electrónico Newsru.com. Conseguiu acabar com um batalhão especial que se encontrava sob o controlo do FSB (Serviço Federal de Segurança) e que era comandado por outro eminente checheno, Movladi Baissarov. Baissarov, acusado de ter cometido raptos e com um mandado de captura, acabou por ser morto em Moscovo, numa acção que foi levada a cabo pela polícia chechena. Agora as tropas operacionais que não estão sob o comando de Kadirov são dois batalhões especiais do Ministério da Defesa, um desses é precisamente o “Vostok” (oriente) e o outro o “Zapad” (ocidente). Foram já muitas as manobras tentadas para pressionar estes dois agrupamentos militares, desde frequentes exigências de que deixem as instalações onde estão, até incompatibilizá-los com outras estruturas militares, que se recusavam em participar em operações em que fossem incluídos aqueles dois batalhões.
Um dos elementos do batalhão Vostok adiantou que talvez o conflito se deva ao facto de que “as forças de segurança do Kadirov e do Ministério do Interior (da Chechénia) são constituídas em 90% por guerrilheiros amnistiados, enquanto que nós, nas operações que fazemos, matamos os actuais bandidos. Pode ser que eles se vinguem por isso...”
No entanto, é mais provável que a intenção de Kadirov seja simplesmente chegar ao ponto em que a sua autoridade é a única e indiscutível. Ao que parece, já não está muito longe disso.A paz na Chechénia tem altos e baixos. É evidente que a actividade dos grupos declaradamente separatistas tem vindo a baixar, e que nas principais cidades a vida se aproxima do que se pode considerar normal. Mas nem sempre são necessários os separatistas para fazerem confusão. Ontem à noite, próximo da cidade de Argun dizem que houve tiroteio, porque se encontraram cara a cara, tropas especiais pertencentes a agrupamentos diferentes. Não eram agrupamentos quaisquer, uns eram do batalhão de elite que dá pelo nome de Vostok (oriente) sob o comando de Sulim Iamadaev, os outros eram simplesmente a guarda de Ramzan Kadirov. O problema parece ter sido que nenhuma das colunas queria dar precedência à outra e no meio do “não passas tu passo eu”, dois carros acabaram por bater. Como se descreve na Rússia eram os kadirovtses contra os iamadaevtses. Segundo uma versão a coisa chegou ao ponto de haver tiros. Segundo outra, teria sido o próprio Ramzan Kadirov a sair do carro para apaziguar e resolver a situação, e os homens do batalhão Vostok regressaram a Gudermes. Por outro lado, Ramzan Kadirov deveria estar em Moscovo, no congresso do Rússia Unida... De qualquer forma, o caso resolveu-se sem vítimas, mas não sem ofensas. Kadirov é “o presidente” e não tolera desaforos. De acordo com as notícias que chegam, em Gudermes começou a caça ao homem. Neste caso o homem é Badrunin Iamadaev irmão mais novo de Sulim Iamadaev. Ao que parece era ele que seguia no cortejo que não quis dar passagem a Kadirov. Segundo alguns relatos já na noite de ontem, os homens de Kadirov montaram postos de controle em Gudermes para apanharem elementos do batalhão Vostok. Num dos postos houve tiroteio e daí já resultaram dois mortos, soldados do batalhão Vostok. Além disso o quartel do Vostok teria sido cercado, segundo algumas fontes são cerca de 500 os homens de Kadirov que tomaram posição junto ao aquartelamento dos rivais. Por outro, a polícia procura Badrunin Iamadaev em Gudermes. Devem ter tido informações de que este se encontra, não no quartel, mas na casa da família Iamadaev, e esta foi cercada também. Ali estão também elementos do Vostok, prontos a resistir se os kadirovtses se decidirem a realizar o assalto. Ao que parece o ambiente é muito tenso e a qualquer momento pode-se desencadear um confronto de grandes proporções.
O governo checheno fez saber que os homens do Vostok são acusados de crimes de homicídio e rapto de pessoas, e apresentaram casos concretos. Curiosamente, esses casos não serão de ontem, mas só agora é que se lembraram deles. Badrunin Iamadaev e acusado pessoalmente de vários crimes. Tudo leva a crer que Kadirov está decidido a acabar com o poder dos Iamadaev. A história dos Iamadaev é longa e roda em torno de Gudermes, onde eram (são) uma das forças mais influentes. Na primeira guerra da Chechénia combateram contra as tropas federais, aliás como quase todos os chechenos. Na segunda guerra, aceitaram a mediação ou até a aliança de Akhmad Kadirov (o pai do actual presidente) e entregaram Gudermes sem combates, contra a garantia de que as tropas russas não entravam lá. Os crimes e os métodos de que podem se acusados os Iamadaev, são provavelmente os mesmos de que se poderia acusar a maior parte dos “comandantes” chechenos. Desde os tempos da primeira guerra (1994-1996) os raptos, comércio de escravos, chantagem, etc., estavam na ordem do dia na Chechénia. Tornarem-se respeitáveis militares foi uma conquista da “paz chechena” dos últimos anos. De vez em quando os impulsos do passado voltam, e agora o equipamento militar é mais completo.
O emaranhado das relações dos suspeitos no caso do assassínio de Anna Politkovskaia parece complicar-se mais há medida que o tempo passa, o que significa que o risco de não se chegar a parte nenhuma também vai crescendo no tempo. Hoje, o jornal “Kommersant” publicou um artigo sobre o desaparecimento de uma “autoridade criminal”, que poderia ter ligações ao caso. “Autoridade”, no mundo do crime organizado da ex-União Soviética, é aproximadamente o equivalente ao “padrinho” para a máfia siciliana. (Isto por aquilo que eu posso perceber porque não sou uma ‘autoridade’ no assunto.) O homem em causa é um checheno, Movladi Altangueriev, de 54 anos, que vivia em Moscovo desde longa data, e era considerado “a máxima autoridade criminal” entre os grupos chechenos que actuavam em Moscovo, já desde os anos oitenta. Altangueriev foi raptado à porta de um restaurante para onde se dirigia, por dois homens “de aspecto do Cáucaso”, que o meteram dentro de um Porsche Cayenne que, entretanto, se tinha aproximado. Isto foi já no dia 31 de Janeiro, e desde aí nunca mais se soube de Altangueriev.
O diário moscovita adianta que este desaparecimento pode estar relacionado com o caso do assassínio de Anna Politkovskaia. Isto porque a Comissão de Investigação da Procuradoria suspeita do envolvimento de Khoj-Akhmed Nukhaev (e de Boris Berezovski), segundo uma versão adiantada por Dmitri Dovgui, ex-chefe da dita Comissão. Segundo o “Kommersant” Nukhaev era o número dois do grupo criminoso “Lazanski” (o nome vem do restaurante onde se reuniam “Lazania”), que teria sido criado por Altangueriev.
No entanto, Altangueriev pode ser visto de um outro ângulo. Ele tinha recebido uma condecoração oficial do Estado russo, pelo seu contributo na “luta anti-terrorista” – leia-se contra os separatistas chechenos – e parece ter sido uma peça crucial ao lado de Akhmad Kadirov (pai do actual presidente da Chechénia) nos acordos que levaram a entregar a cidade de Gudermes, sem combates. A atestar as boas relações da “autoridade criminal” com o FSB (Serviço Federal de Segurança) estaria o facto de que, como afirmam os parentes de Altangueriev, este teria recebido, como sinal de reconhecimento pelos serviços prestados, uma pistola, directamente das mãos do chefe do FSB, Nikolai Patruchev.
Outra questão misteriosa ligada a Altangueriev e Berezovski, passou-se em 2006, quando Altangueriev se deslocou a Londres “em férias” e Berezovski denunciou à Scotalnd Yard que este tinha vindo da parte do FSB, com a missão de o matar. A história não convenceu os investigadores ingleses, mas, por via das dúvidas, Altangeriev foi mandado de volta para a Rússia.
“Supondo que, no caso de Anna Politkovskaia, as autoridades russas verdadeiramente suspeitam do grupo de “Lazanski”, então o desaparecido Movladi Altangueriev seria uma figura muito cómoda para se acusar de ser o homem que encomendou o crime”, afirma o Kommersant.
Sinceramente, penso que nesta história falta ainda o motivo do crime. Porque é que Altanguriev havia de estar interessado na morte de Politkovskaia? No entanto, talvez não seja muito difícil arranjar um motivo alegando que, de qualquer forma, no mundo do crime, a vida tem pouco valor, e uma decisão do género poderia ser tomada pensando que se estava a fazer um favor a alguém... Enfim, ainda faltam muitas peças neste puzzle.
PEDOFILIA EM AUMENTO NA RÚSSIA
As autoridades russas alertam para o aumento de casos de crimes de natureza sexual cometidos sobre crianças. De acordo com o chefe do Departamento de Manutenção da Ordem Pública, do Ministério do Interior da Rússia, Mikhail Artamochkin, a quantidade de casos registados de crimes sexuais cometidos sobre crianças aumentou mais de 25 vezes. Em 2003 tinham sido registados 129 casos, enquanto que em 2007 foram já mais de 3 mil. No entanto, esta é apenas uma pequena parte dos crimes cometidos sobre menores. Segundo Artamochkin, no ano passado foram mortas 2500 crianças e foram registados mais de 70 mil casos de crimes sobre menores, quase todos relacionados com violência física. As autoridades russas fazem notar que tudo isto sucede num quadro de diminuição da criminalidade, em geral, da ordem dos 5% ao ano. Os casos de violência estão frequentemente ligados a situações familiares difíceis. Em 2007, foram apresentados à Procuradoria 170 mil queixas contra pais, e cerca de 50 mil casos foram enviados para tribunal, com vista a obter a suspensão dos direitos de paternidade. Há ainda um elevado número de crianças que fogem de casa, frequentemente por causa de maus tratos, e, segundo Artamochkin, em
Recentemente a Rússia foi abalada pelo resultado das investigações do caso do assassínio de Polina Malkova, de cinco anos, da cidade de Kranoiarsk (Sibéria). Como resultado das investigações e da análise de ADN, o assassino foi identificado e tratava-se de um homem de 35 anos, que morava no prédio ao lado, e que tinha já cumprido 12 anos de prisão por violação de uma menor.
Às vezes as notícias não são informação, são desinformação. É isso que pensam na “Novaia Gazeta”, o jornal onde trabalhava Anna Politkovskaia relativamente às afirmações recentes do ex-chefe da direcção da comissão de investigação da Procuradoria Geral, Dmitri Dovgui. Dovgui foi demitido e é suspeito de abuso de autoridade. Já despido do seu alto cargo, Dovgui, numa entrevista ao jornal Isvestia afirmou que no caso Anna Politkovskaia as suspeitas de ter encomendado o crime apontavam para o “oligarca” Boris Berizovski, que se encontra em Londres com asilo político. Que algumas “facções” de investigadores envolvidos no caso Politkovskaia tentavam empurrar as pistas para Londres, era uma coisa já conhecida e criticada pelos colegas e familiares da jornalista, que viam nessa tendência o objectivo de obter dividendos políticos para o regime, em vez de se tentar chegar objectivamente aos culpados. A Novaia Gazeta publicou hoje um artigo em que critica as afirmações de Dovgui, com alguma “compreensão” para a sua situação. O ex-chefe da Comissão de Investigação caiu em desgraça e deve evidenciar plena lealdade ao sistema, para tentar uma saída “honrosa” da situação em que se encontra. Mas a Novaia Gazeta, afirmando que não pode adiantar coisas que se encontram no segredo de justiça, vai referindo ligações entre personagens ligados a alguns círculos do crime organizado (mafia chechena, em linguagem corrente) e os serviços especiais, ou mais precisamente o FSB. É sabido que um dos suspeitos detidos no contexto do caso Anna Politkovskaia, é um agente da direcção do FSB, que supostamente teria fornecido as coordenadas da jornalista. Agora a Novaia Gazeta refere um personagem, que foi detido na Ucrânia por tentativa de homicídio, um certo Lom-Ali Gaitukaiev, o qual teria até carteira de agente do FSB, ao que parece da mesma direcção do FSB, onde trabalhava o suspeito coronel Riaguzov. Além disso Gaitukaev é tio de três suspeitos detidos no contexto do caso Politkovskaia, os irmãos Makhmudov, e obviamente também do quarto irmão Rustam Makhmudov, apontado por algumas fontes como e executor do crime, que ainda anda a monte. A questão que pretende levantar o jornal onde trabalhava Anna Politkovskaia é até que ponto é que vão as relações entre as estruturas do crime organizado e dos serviços especiais?
No entanto, este emaranhado de “polícias e ladrões” não nos ilumina muito para perceber aonde é que se encontra o mandante do crime. Esperemos que seja só o segredo de justiça que impede que se dêem esclarecimentos mais precisos.