O processo do caso do assassínio de Anna Politkovskaia entrou finalmente na fase em que começaram a ser ouvidas as partes. Durante a sessão de hoje, conforme referem alguns dos jornalistas presentes, foram ouvidos inicialmente os filhos de Anna Politkovskaia, Ilia e Vera. O juiz interessou-se sobretudo pelo que se passou no dia em que a jornalista foi assassinada. Ilia contou que tinha falado ao telefone com a mãe, que tinha ido fazer compras a um supermercado e tinham combinado que ele viria ter com ela a casa para ajudar a descarregar as compras. Quando chegou viu a entrada do prédio cercada pela polícia... A irmã, que naquela altura vivia com a mãe, estava em casa e ainda não sabia do que se tinha passado. Vera referiu que a mãe tinha suspeitado da presença de pessoas estranhas no prédio, dias antes do desfecho da tragédia. Dizia que os achou estranhos, mas que não cheiravam a álcool, como é frequente nos sem-abrigo da capital russa. A jornalista recomendou à filha que tivesse cuidado, sobretudo tendo em conta que estava no quarto mês de gravidez. Ilia referiu também que nos últimos cinco anos Anna Politkovakaia tinha sido várias vezes ameaçada por causa do material que publicava. Alguns artigos da jornalista levaram à abertura de processos contra personagens vários, inclusivamente militares que cometeram abusos na Chechénia. Por seu lado a acusação começou a apresentar as provas que tinha, partindo da gravações da câmara de vigilância instalada na casa onde vivia a jornalista. Pelas imagens via-se que o presumível autor do crime tinha entrado no prédio às 16.01 (do dia 7 de Outubro de 2006), Anna Politkovakaia entrou às 16.11.54 e já às 16.12.18 o suposto “killer” sai em passo apressado. No local tinham sido disparados cinco tiros.
a chegada do "killer".
a chegada de Anna Politkovskaia
e a saída depois de consumado o crime
O “timing” do executor parece uma confirmação que o trabalho de seguir as movimentações da jornalista era feito por mais do que uma pessoa. Foi provavelmente para essas tarefas que foram requeridos os serviços dos irmãos Ibraguim e Djabrail Makhmudov, que estão no banco dos réus.
Hoje na Ossétia do Norte é dia de luto pelas vítimas do atentado de sexta-feira. De acordo com as autoridades policiais, a explosão junto à “marcherutka” (como vulgarmente são chamadas as “carrinhas táxi” com percurso fixo) foi provocada por uma mulher suicida, que fez explodir um cinto de “shakhid” com uma quantidade de explosivo equivalente a meio quilo de trotil. O balanço foi de 12 mortos e cerca de 40 feridos, dos quais 7 em estado muito grave foram hoje transferidos para Moscovo. Da vizinha Ossétia do Sul veio o conselho de “procurar a pista georgiana”. No entanto, a pista apontou para o lado oposto, para a Inguchétia. Entre a Ossétia do Norte e a Inguchétia há muito tempo que as relações são difíceis. Na origem está uma das famosas redefinições de fronteira dos tempos soviéticos. Os inguches ficaram sem uma parte do território onde outrora viviam os seus antepassados e para as culturas do Cáucaso, a terra onde foram enterrados os avós não se pode abandonar. Nos anos 90 houve uma guerra. Em palavras pobres, os inguches tentaram apoderar-se de uma parte da Ossétia do Norte, a região de Prigorod, os ossetas responderam com a ajuda dos ossetas do sul, que tinham já no seu currículo a guerra com os georgianos. Os inguches foram vencidos, mas calcula-se que a aventura tenha custado a vida a cerca de 3 mil pessoas, sobretudo da Inguchétia.
No ano passado, quando eu estava na Ossétia do Norte com um colega, desaconselharam-nos fortemente a ir à Inguchétia. Um dos argumentos era que não arranjávamos táxi que estivesse disposto a entrar no território do “inimigo”. Diziam que os estrangeiros não podiam atravessar a região de Prigorod, onde nalgumas aldeias vivem sobretudo inguches, (era preciso dar a volta por Beslan), por razões de segurança. Arranjámos um taxista armeno, que não se sentia envolvido nas rivalidades entre ossetas e ingúches, e que foi mesmo por Prigord porque a estrada era mais curta e a gasolina custa dinheiro. A fronteira administrativa era guardada com todo o rigor: posto de controle, protecções de cimento, um blindado e muitas armas.
Desde então a situação na Inguchétia tem-se complicado. (Talvez possa agora haver alguma mudança positiva, com a nomeação do novo presidente da Inguchétia, mas isso é uma perspectiva para o futuro). Atentados quase todos os dias. Actuação das tropas especiais russas no estilo do que era na Chechénia há alguns anos atrás (detenções, desaparecimentos, execuções...). Para agravar as coisas, um dos centros de detenção para os suspeitos de terrorismo na Inguchétia, era em Vladikavkaz (capital da Ossétia do Norte).
Diz-se também que a população inguche que vive na Ossétia tem sido vítima de violência gratuita da parte dos ossetas. De acordo com algumas fontes da Imprensa russa, a praça onde se deu o atentado, junto ao mercado central, é o local donde “desapareceram”, nos últimos dois anos, 19 inguches. Dizem que é a vingança osseta pelo atentado de Beslan (a quase totalidade dos terroristas eram inguches). Isso poderia explicar a escolha do local onde a “shakhidka” fez explodir o engenho. Se é assim a espiral de violência pode continuar a crescer, e a instabilidade que actualmente reina na Inguchétia pode passar para as repúblicas vizinhas.
Aqui ficam algumas imagens de Vladikavkaz, sem bombas...
Um dos pontos do “discurso à nação” de Dmitri Medvedev que tem dado mais que falar é a aumento da duração do mandato presidencial. Reconheça-se que ele não está a pedir nada para si mesmo – as emendas a serem introduzidas na Constituição não deverão dizer respeito aos mandatos em curso (quer presidencial quer parlamentares). Há também quem diga que esta não é uma ideia de Medvedev mas um projecto da equipa que já vem do tempo de Putin e cujo principal expoente é Vladislav Surkov. De qualquer forma, o primeiro beneficiário do mandato mais longo será o próximo presidente, que, obviamente, poderá ser Vladimir Putin. Hoje alguns órgãos da Imprensa russa avançaram a ideia de que poderia até haver eleições antecipadas, e poderiam ser já no próximo ano. A minha opinião pessoal é que não há razão para isso. No fundo é a mesma equipe, que se encontrava no poder durante a presidência de Vladimir Putin, que continua a controlar o andamento das coisas. É possível que haja alguns atritos internos dentro desse mesmo grupo, mas tem-se conseguido manter razoavelmente coeso. Eleições antecipadas para levar novamente Putin à presidência iriam estragar ainda mais a imagem do regime a nível internacional. Não me parece que haja nenhuma conveniência nisso nem mesmo para Putin.
A propósito das alterações dos mandatos, queria deixar aqui alguns comentários de Viktor Sheinis, um dos autores da actual Constituição russa (1993). Afirmou hoje Sheinis: “Essas medidas (alargamento dos mandatos) não me parecem nem fundamentadas nem razoáveis, nem correspondentes em geral com a democratização do país. Quando ao eleitor restam só poucas possibilidades de exprimir a sua opinião, de exprimir a sua preferência por este ou aquele personagem ,por este ou aquele deputado, aumentar a distância entre os prazos em que eles podem realizar esse direito, é uma medida antidemocrática, e não é uma medida de acordo com a nova ordem constitucional. Pode-se fazer, e no contexto actual é até fácil de realizar. Querendo pode-se realizar em dois meses, sem ter muita pressa. Mas o que resulta daí? Ontem ouvi alguns comentários e havia só uma conclusão: “chega uma pessoa (à presidência) e é preciso dar-lhe mais tempo para a realização da suas ideias”. Em primeiro lugar, um prazo de oito anos, se se trata de um bom presidente, que conseguiu ganhar o apoio necessário, oito anos é mais do que suficiente para realizar quaisquer planos. Em segundo lugar, porque é que o acento se põe de forma “cesariana”? Chega uma pessoa e vai pôr em pratica um programa que ele concebeu. Do meu ponto de vista a democracia deve basear-se, não num “césar” que tudo pode, mas nas instituições democráticas... Os prazos são diferentes de país para país, mas a tendência mundial, como se viu em França, é exactamente ao contrário, passagem de 7 para 5 anos, e não de 4 para 6. E ainda uma nota em relação a isto. Não se percebe por que é que se vai dar um presente destes aos nossos deputados, os quais não demonstram independência política, porque é que se lhes acrescenta um ano?”
Sheinis considera uma boa notícia a proposta do presidente para que os juizes “tenham maior equilíbrio quando optam por medidas de detenção ou escolham como pena medidas de isolamento da sociedade” (citação do discurso do presidente). “Uma excelente ideia”, diz Sheinis, e continua “Não é necessário manter um milhão de pessoas na prisão. Para crimes de funções ou crimes económicos, não é necessário dar penas relacionadas com a limitação da liberdade. Atrás da grades é preciso pôr os que podem provocar um dano real aos cidadãos e ao Estado. Atrás das grades devem estar os espiões, mesmo se as acusações de espionagem contra alguns investigadores são muito duvidosas, devem estar os desordeiros, os assassinos, violadores, etc. Em relação a todos os outros... Em relação a todos os outros em posso contar um facto. Quando chegou ao poder Gorbatchov e começou a fazer uns discursos muito bonitos, eu e os meus amigos formulámos alguns critérios para saber quando é que essas palavras podiam ser levadas a sério. Um desses critérios era a libertação de Andrei Sakharov. Como se lembram isso aconteceu em Dezembro de 1986. Gorbatchov tinha chegado ao poder em Março de 1985. Foi uma coisa muito difícil de fazer, porque o sistema, o politburo era contra essa iniciativa de Gorbatchov. Agora um sinal seria realizar um acto de misericórdia em relação a uma mulher (Svetlana Bakhmina, funcionária da Yukos) que puseram na prisão só porque se recusou a testemunhar contra o seu chefe, quando existe uma opinião pública dum certo tipo, isso seria um sinal muito significativo. Por enquanto esse sinal não o querem dar. Veremos o que nos trará o futuro”...
Dizem que até se pode ver de longe a fogueira que os colaboradores de Muammar Gaddafi acenderam junto à tenda onde vive o presidente da Líbia, nos jardins do Kremlin. É sabido que Gaddafi costuma viajar com a sua tenda, mas é a primeira vez em absoluto que se constrói um “acampamento” dentro dos muros do Kremlin. Outra nota de originalidade foi acrescentada por Vladimir Putin. O primeiro-ministro russo não só não quis perder o espectáculo de Mireille Mathieu, no palácio dos congressos do Kremlin, como aproveitou o intervalo para tomar chá com a cantora. Pondo à prova a paciência dos espectadores resolveu ainda convidar o seu amigo Muammar Gaddafi. Não se percebeu muito bem se Gaddafi conhecia Mireille Mathieu, mas o certo é que depois do chá, o líder líbio aplaudiu com entusiasmo o concerto da cantora.
A hospitalidade do coronel pôde finalmente manifestar-se, novamente num chá para três, mas desta vez na tenda oficial do presidente líbio. “Estou particularmente satisfeito que este momento se passe aqui, no território do Kremlin, na tenda de beduíno, no centro da capital russa”, comentou Gaddafi.
Sobre questões sérias, a visita de Gaddafi é ainda uma incógnita. Antes da sua chegada os planos pareciam grandiosos. Falava-se em encomendas de equipamento militar de milhares de milhões, em investimentos na área dos caminhos de ferro, indústria petrolífera e indústria nuclear. Até parecia certo que a Líbia iria por à disposição da Rússia a utilização de um porto para a marinha de guerra russa. Se algum destes argumento deu resultados concretos, ainda não se sabe. Os comentários são lacónicos. Gaddafi diz só que é importante a colaboração com a Rússia no âmbito energético. Estará ele disposto a entrar para o “cartel do gás” (também chamada a OPEP do gás) que a Rússia, juntamente com o Irão e o Qatar, pretende implementar. Recorde-se que a Rússia perdoou à Líbia uma dívida de 4,5 mil milhões de dólares, do tempo da URSS, na esperança de voltar a fazer negócios com o país do coronel, mas parece que as coisas caminham a passo de camelo. Falta saber em que direcção.