Provavelmente hoje vamos ficar a saber o nome do novo Patriarca da Igreja Ortodoxa russa, eleito no Concílio da Igreja Local. Este é composto por 711 delegados, incluindo todos os bispos da Igreja russa, representantes do clero e do laicado, de cada diocese e ainda representantes de alguns mosteiros e academias teológicas. As sessões decorrem directamente na catedral de Cristo Salvador, e não na cripta, como foi com o concílio dos bispos. A explicação que me deram é que, por tradição, os Concílios da Igreja Local sempre si fizeram numa igreja.
Parece que não há grandes dúvidas de que o eleito venha a ser o metropolita Kirill, bispo de Somolensk e Kaliningrado, e responsável pelo departamento de relações externas do Patriarcado de Moscovo. É ele que desempenha interinamente as funções de chefe da Igreja, desde a morte de Alexis II, é ele que preside ao Concílio, é ele que apresenta as propostas de trabalho. No portal do concílio, todo o material que aparecia hoje eram palavras de Kirill, sobre várias temáticas.
As comissões apontadas pelo concílio dos bispos, que se reuniu no dia 25, foram aceites por unanimidade, o que é também indicativo de que os presentes não estão com vontade de discordar do trabalho feito precedentemente. Na sessão a que era admitida a imprensa, além de Kirill, falou Serguei Narichkin, chefe da Administração do presidente Dmitri Medvedev. Consta que o poder político também é favorável a Kirill.
Entretanto aqui ficam algumas fotografias.
Em Moscovo, na catedral de Cristo Salvador, rodeada de um impressionante aparato policial, iniciou-se o processo de eleição do novo patriarca da Igreja Ortodoxa Russa. Estava previsto que o concílio do bispos se reunisse hoje e amanhã, para eleger três candidatos que serão propostos ao concílio da Igreja Local. O processo revelou-se mais rápido do que se esperava e por volta das 18.30 já eram conhecidos os três nomes entre os quais deverá sair o do novo patriarca. Os bispos reunidos eram 198, e o nome mais votado, com 98 votos, foi o do metropolita Kirill, responsável pelo departamento das relações externas da Igreja russa, e actualmente a exercer funções de chefe da Igreja. Seguiram-se os do metropolita Kliment, responsável pelo departamento de assuntos internos do Patriarcado, com 32 votos, e o do metropolita Filarete, de Minsk, com 16, votos.
Pode-se dizer que a votação trás poucas surpresas. O metropolita Kirill é a figura de maior relevo da Igreja russa, com evidente capacidade de comunicação e dotes de estratego. Aparece frequentemente na comunicação social, e o cargo que ocupava proporcionou-lhe um enorme leque de relações. No entanto, alguns observadores consideravam que, sobretudo entre os representantes da hierarquia ortodoxa russa, não faltavam os que estavam contra ele, acusando-o de ser pro-ecuménico e até filo-católico. Deste ponto de vista, o abundante número de votos que recebeu, parece indicar que deverá contar com um largo apoio no concílio da Igreja local que se reúne no dia 27. Neste participam, não só os bispos, mas também, representantes das academias teológicas, e representantes do clero e do laicado de cada diocese, e de algumas paróquias no estrangeiro. No total vão ser mais de setecentos eleitores. Portanto, o resultado não é garantido, mas é mais provável que, sobretudo entre os leigos e pessoas menos ligadas à política interna da Igreja, o nome do metropolita Kirill prevaleça. Ele foi a figura central nas principais celebrações do Natal (a 7 de Janeiro, segundo o calendário juliano), foi quem dirigiu os trabalhos de preparação dos actuais concílios e foi quem fez o discurso de introdução aos trabalhos do concílio dos bispos.
Na sua intervenção, o metropolita Kirill sublinhou os factos importantes para a Igreja, ocorridos nos últimos sete meses (em junho tinha havido um concílio dos bispos regular). Quase todos os facto citados tinham ligação ao seu trabalho e ao do departamento de relações exteriores. Delongou-se bastante sobre o risco de “cisma” da Igreja da Ucrânia, quando em Julho passado, por altura das comemorações dos 1020 anos do baptismo da Rússia (ou da Rus para não confundir com o conceito actual de Rússia), em que houve uma tentativa de convencer o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, a apoiar a auto-cefalia de Kiev. Segundo Kirill, foram as diligências atempadas de Moscovo que impediram o “cisma”. Deve-se dizer que os representantes da Igreja da Ucrânia, ligados ao Patriarcado de Moscovo, participam nos actuais concílios e, ao que parece, não avançaram nenhumas propostas com vista à auto-cefalia. O metropolita de Kiev, Vladimir, foi o quinto mais votado, com 10 votos.
Entretanto, na rua, junto à catedral de Cristo Salvador, alguns jovens faziam uma espécie de manifestação, sem que se percebesse muito bem para quê e para quem. Dois grupos, estavam no território da catedral, para lá dos cordões de polícia, e com um certo tipo de distintivos, donde se percebia que estavam devidamente autorizados pelas estruturas da Igreja. Os cartazes com frases do tipo “que o Espírito Santo indique um patriarca digno”, ou “fora da Igreja não há salvação”, eram feitos segundo um modelo único, donde se percebia que, como quase todas as manifestações na Rússia, não se trata de uma iniciativa espontânea. Um grupo maior destes manifestantes, foram colocar-se defronte da catedral, junto ao monumento a Friedrich Engels, que parecia o líder dos manifestantes.
Os atritos que se têm multiplicado nos últimos tempos entre a Ucrânia e a Rússia podem ainda vir a reflectir-se noutras áreas. Há dois dias atrás, corria a voz de que a Igreja Ortodoxa da Ucrânia, ligada ao Patriarcado de Moscovo, poderia levantar a questão da auto-cefalia no próximo concílio dos bispos e no concílio da Igreja Ortodoxa Russa, que vai ter lugar na próxima semana, para a eleição do Patriarca. A coisa poderia ser posta inclusivamente em termos de boicote, caso fosse recusado, ou então de negociações para conceder o voto ao potencial patriarca que apoiasse as exigências ucranianas. Dos cerca de setecentos representantes que vão ter de votar, cerca de duzentos são da Igreja ucraniana, por isso o peso é muito significativo para se chegar a uma decisão final. Já apareceram desmentidos oficiais, o que significa que a questão circulou pelos corredores. Mais propriamente, o arquimandrita Kirill, responsável pelo Departamento das Relações Externas da Igreja Ucraniana, afirmou que não considera oportuno levantar a questão do estatuto da Igreja Ucraniana nesta altura. “A nossa Igreja tem uma enorme quantidade de direitos que nem todas as Igrejas auto-cefalas têm”, declarou o arquimandrita, que considera mais útil “desenvolver o potencial do actual estatuto”. No entanto, admitiu que é difícil neste momento fazer prognósticos quanto ao facto se vai ser levantada a questão ou não no concílio local da Igreja Ortodoxa Russa.
A questão da separação de Moscovo é sobretudo política. Quando neste verão, se celebrou em Kiev os 1020 anos do baptismo da Rússia, o presidente Viktor Iuschenko tentou convencer o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, a promover a auto-cefalia da Igreja Ortodoxa Ucraniana. O patriarca não foi na conversa, mas a coisa fez azedar mais as relações com Moscovo. Segundo observadores próximos do Kremlin, esta é uma das coisas que Vladimir Putin não perdoa a Iuschenko (a outra é o apoio político e militar dado à Geórgia).
As recentes acusações por causa da crise do gás também não trouxeram nenhuma ajuda para a amizade entre os irmãos eslavos. Há dois dias presenciei um debate com uma ligação directa entre Moscovo e Kiev, entre observadores políticos de ambos os países. Curiosamente a parte russa parecia mais agressiva, e com maior decisão atribuía as culpas das actuais más relações à elite política que governa na Ucrânia. Os resultados de uma sondagem à opinião pública, na Rússia, também vinha confirmar que actualmente os russos não morrem de amores pelos ucranianos. Mais de metade (58%) dos russos considera que os acordos conseguidos são temporários, e que haverá novas crises, obviamente, por culpa dos ucranianos. Quando se nomeiam os países amigos e os potenciais inimigos, os resultados da opinião pública indicam que o lugar da Ucrânia entre os amigos não é entre os primeiros (só 5% consideram um país amigo), enquanto que está entre os três primeiros potenciais inimigos (21%) juntamente com a Geórgia e os EUA. Curiosamente quando se pôs a questão hipotética de que pudesse haver uma guerra, os observadores ucranianos presentes manifestaram um total cepticismo em relação a uma hipótese tão arrojada. Mas já entre os observadores russos se encontrou quem considerasse a hipótese seriamente, nomeadamente no caso em que o regime de Kiev viesse a recorrer ao uso da força contra a população de Sevastopol (Crimeia), onde está também baseada a frota russo do mar Negro.
Já há mais de vinte dias que as minhas possibilidades de escrever para o jornal são à roda da questão do gás. Estava a pensar que agora que a coisa parece que chegou ao fim, ou seja, que o gás voltou a chegar à Europa e à Ucrânia, era altura de reflectir sobre a questão.
Hoje tive a ocasião de participar numa conferência de Imprensa sobre as alternativas europeias ao gás russo. Ao contrário do que estava à espera, foram ditas várias coisas interessantes. Elena Teleguina, directora do Instituto de Investigações Geopolíticas e de Segurança Energética, referiu alguns números curiosos, donde sai a conclusão de que, não só a Europa não vai gastar menos gás russo no futuro, como a maior parte deste vai ter de continuar a circular pela Ucrânia, por quanto isso possa desagradar aos cidadão da Rússia e da UE. A Gazprom é de longe o mais importante fornecedor da Europa, e isso não é uma novidade. Cerca de 25% do gás que se queima na Europa vai da Rússia. As reservas de gás da Noruega ou da Grã-Bretanha vão provavelmente diminuir. Elena Teleguina acha que a Europa não vai conseguir negociar os fornecimentos de gás “com uma posição única”. “Uma dependência de 100% são os países Bálticos, muitos países da Europa oriental que faziam parte da esfera de influência soviética, e o norte da Europa. A Alemanha depende em 43%, Polónia 62%, Áustria 72%. A Espanha não depende nada, a Itália depende pouco, Grã-Bretanha não depende nada. Esta situação não leva a crer que haja uma posição única e provavelmente as negociações vão continuar a ser bilaterais com cada um dos países.”
Os projectos alternativos que agora existem, são interessantes e... caros. “As principais alternativas são o “Fluxo do Norte” e o Fluxo do Sul (ambos projectos russos que evitam a Ucrânia), Nabuco, que contorna a Rússia, o qual até antes da crise não parecia realizável, dizia-se que era um projecto exclusivamente político, hoje há muitas mais perguntas quanto aos custos e realização do Nabuco. Há a possibilidade do Gás líquido, e agora volta-se a falar intensamente do projecto trans-sahariano, da Nigéria e através da Argélia, pode-se conseguir um fornecimento suplementar de gás”.
A questão é que quando se compara o gás que passa pela Ucrânia com os outros percursos alternativos, juntando os vários projectos, vê-se que essas novidades todas, ainda são pouco. Pelos gasodutos ucranianos, incluindo o que lá fica, passam 175 mil milhões de metros cúbicos por ano. O gasoduto que vem da região do Yamal (norte da Sibéria ocidental) para a Alemanha, através da Bielorússia e da Polónia, tem capacidade para 33 mil milhões de metros cúbicos por ano. Nas mesmas unidades (Gm3/ano), o projecto russo-alemão do “Fluxo do Norte” (Nord Stream) deverá vir a ter capacidade para 55, e poderá entrar em funcionamento em 2010, se tudo correr bem. Enquanto que o projecto “Fluxo do Sul”, que poderá estar em função depois de 2013, terá capacidade para 32 Gm3/ano. “A UE pretende com a diversificação de percursos melhorar o quadro de dependência, e talvez o gás líquido do Médio Oriente possa representar a melhor possibilidade, não como alternativa, mas como uma ulterior fonte de fornecimentos de gás”.”Os projectos “fluxo do norte” e “fluxo do sul” são muito bons, permitem evitar o trânsito através da Ucrânia, mas são muito caros. É preciso arranjar cerca de 30 mil milhões de euros para a construção”. “Estes custos acabam por cair no consumidor europeu, e no contexto da actual crise bancária são financiamentos muito caros. Mas a vontade política de conseguir uma segurança energética, ajudam a realizar estes projectos nos próximos 5 anos, mas o custo vai ser alto”.
“A Gazprom teve um lucro de 30 mil milhões no final de 2008, mas a situação piora no final do primeiro trimestre, porque seis meses de intervalo da ligação do preço do gás ao do petróleo vai levar a uma quebra dos preços para a Gazprom no mercado europeu. Portanto vai haver menos entradas e ainda os prejuízos da crise ucraniana”.
As energia alternativas, na opinião de Elena Teleguina, também não são a solução dos futuros problemas energéticos. “Energias alternativas podem ser a nova bolha. Vão haver grandes investimentos e vai ser um prazer muito caro, com uma aplicação limitada. Não podemos assegurar que mesmo depois de 2020, possa haver 10 12% de energia de fontes alternativas. 20% é um sonho, nem em 2030”.
“A Europa não tem outra saída. A única coisa a fazer é conseguir condições de transito transparentes de forma a que o gás necessário chegue à Europa”.
Há ainda a questão do tão falado gasoduto “Nabuco”, que deverá levar o gás do mar Cáspio e da Ásia Central para a Europa. Segundo Elena Teleguina, “o Nabuco não é concorrente do Fluxo do Sul. A questão está ligada à possibilidade de utilizar o gás do Turcomenistão, mais ainda do que do Azerbaijão. Mas como a Rússia estabeleceu um acordo de longo prazo com o Turcomenistão, no transporte através do seu território, o Nabuco praticamente morreu”.
A conclusão é que nem a Rússia, nem a Ucrânia, mesmo se em graus diferentes, são substituíveis no contexto do fornecimento de energia à Europa, nas próximas décadas. Por isso, há que aprender a conviver com estes parceiros um bocado “difíceis”.
Podia ser mais um crime que frequentemente aparecem nas páginas dos jornais de Moscovo, mas chamou-me a atenção o facto de que as primeiras notícias de agência que falavam do assunto se referiam à vítima como o “advogada da família de Elsa Kungaeva”. O local onde ele foi assassinado, na rua Prechistenka, é perto da minha casa. Umas horas antes tinha visto que havia uma conferência de Imprensa do advogado Stanislav Markelov, que tinha como tema a saída em liberdade condicional provisória do coronel Budanov, condenado pelo assassínio de Elsa Kungaeva, em Março de 2000, quando Budanov comandava um batalhão na Chechénia. A conferência de Imprensa era do “Centro de Imprensa Independente”, que fica precisamente na rua Prechistenka. Pelo horário do crime e da conferência de Imprensa era evidente que o assassino calculou aproximadamente a hora a que Markelov sairia do local e esperou por ele a caminho da estação do metropolitano. Disparou por trás, um tiro na nuca, com uma pistola com silenciador, a morte foi imediata. Junto com Markelov caminhava uma jornalista da “Novaia Gazeta”, Anastacia Baburova, que provavelmente foi vítima da sua própria coragem, dado que tentou deter o killer e este disparou-lhe um tiro que se veio a revelar fatal. Aparentemente a causa do crime poderia ser mesmo o caso do coronel Budanov, dado que Markelov tencionava interpor um recurso contra a decisão do tribunal que permitiu a saída em liberdade de Budanov. Mas o facto é que entre os casos que de que Markelov se ocupava, não faltam motivos que pudessem levar ao crime que hoje ocorreu. Anna Politkovskaia, tinha-se referido a Markelov, como “o primeiro advogado que começou a trabalhar na Chechénia, defendendo os direitos da gente daquela república”. Em 2005 levou até à condenação o caso de um oficial (S. Lapin, conhecido como Cadete) das tropas especiais que fizeram serviço na Chechénia, pelas brutalidades cometidas contra cidadãos civis. Lapin foi condenado a 11 anos de cadeia. O caso tinha sido despoletado pelos artigos de Anna Politkovskaia, que anteriormente tinha sido repetidamente ameaçada, e teve mesmo que “desaparecer” durante um certo período. Actualmente Markelov tinha levado ao Tribunal Europeu para os direitos humanos o caso de Zaur Musikhanov, da Chechénia, acusado pelas autoridades russas de ter participado nos “bandos armados ilegais” (guerrilha) e condenado a 9 anos de prisão. Segundo Markelov ele devia ter sido amnistiado porque só tinha estado dois meses com os guerrilheiros e não tinha cometido acções violentas. Um dos casos a que se dá mais atenção refere-se, porém, a Moscovo. Em Khimki, um arredor da capital russa por onde se passa a caminho do principal aeroporto (Sheremetievo), um jornalista, Mikhail Beketov, que editava um jornal local, foi espancado quase até à morte. Em foco estava um conflito por causa da passagem de uma estrada através de uma zona verde (o bosque de Khimki) e, naturalmente, montantes chorudos ligados ao negócio, que Beketov denunciava nas páginas do seu jornal. Stanislav Markelov era o advogado dos de Beketov e dos cidadãos de Khimki que se opõem à construção da estrada.
Os familiares de Elsa Kungaeva estão convencidos de que o assassínio de Markelov tem a ver com o caso deles e do coronel Budanov. “Ele telefonou-me na sexta-feira, e logo no primeiro minuto de conversa afirmou que estava a ser ameaçado, e eram ameaças de morte, se não deixasse de se ocupar do caso da família Kungaev”, relatou Vissa Kungaev, pai de Elsa.
Stanilav Markelov tinha só 34 anos, mas já um notável currículo como advogado de causas difíceis contra poderosos e prepotentes. Numa manifestação “contra o terror”, em Moscovo, em Novembro passado, Markelov disse o seguinte:
(video do site grani.ru, http://grani-tv.ru/entries/599/ )
Eu estou numa estranha situação, eu sou o advogado de todos os que caíram nesta história terrível. Eu estou cansado, estou cansado de encontrar pessoas minhas conhecidas nas crónicas do crime, eu estou cansado do facto que a uma semana destes acontecimentos eu estava sentado com Mikhail Beket na sua casa e ele dizia-me que se sentia só a lutar contra todos, e isto veio a revelar-se verdade. Eu estou cansado pelo facto de que abro um processo crime e o primeiro ponto da acusação é que o acusado é membro do movimento antifascista. E por isso, não só apresentam uma acusação, por isso também prendem, como aconteceu agora a Olessinov. Eu estou cansado de ler crónicas do crime com listas de vítimas, como Filatov que foi morto à entrada da sua casa. Isto já não é trabalho, isto é uma questão de sobrevivência. Se agora Mikhail Beket tem necessidade de sangue (transfusão), nós todos temos necessidade de protecção. Precisamos de protecção contra os nazistas, precisamos de protecção contra os poderes mafiosos, e dos órgãos policiais que frequentemente os servem, nós todos temos necessidade de defesa. E nós percebemos perfeitamente que além de nós mesmos, mais ninguém nos pode oferecer essa defesa. Nem Deus, nem o czar, nem a lei, ninguém. Só nós mesmos. Quando oferecermos o ombro para apoiar o outro quando pudermos defendermo-nos uns aos outros, só então é que nos libertamos desta situação. Espero que venha a ser assim, senão nós viemos aqui inutilmente.
O quadro de Putin é o último sucesso das artes plásticas russas. Foi vendido num leilão de beneficência pela módica quantia de 37 milhões de rublos (840 mil euros, ao câmbio de hoje, que o rublo está a cair depressa), e chama-se “desenho numa janela gelada”. A aquisição foi feita por uma galeria de arte de Moscovo, de nome “Os nossos artistas”. Como alguns fizeram notar, o quadro de Vladimir Putin já superou em valor o “Quadrado Negro” de Malevitch.
Este encontra-se actualmente no museu Hermitage de S.Petersburgo, e foi oferecido pelo milionário Vladimir Potanin que o adquiriu por um milhão de dólares, (750 mil euros, sempre ao cambio actual). Tenho que admitir que, gostos à parte, o dinheiro dado pelo quadro de Putin sempre deverá servir para qualquer coisa de útil, que o milhão dado por Potanin, não se sabe onde foi parar.
Também a governadora de S.Petersburgo, Valentina Matvienko, se lançou na carreira de pintora, mas pelo seu quadro, só se encontrou no leilão quem desse 11,5 milhões de rublos (260 mil euros, câmbio do dia). A ideia, de quem organizou a Feira de Natal, apresenta-se brilhante. Algumas pessoas famosas exprimem finalmente a sua vocação escondida de artistas plásticos, e vendem-se as obras-primas aos admiradores. Na maioria dos casos, além de primas, estas obras são últimas e únicas, por isso o valor é perfeitamente justificado.
Ramzi é neuro-cirurgião e formou-se na Rússia. Deixou Gaza no dia 3, quando a Rússia organizou um voo para repatriar cidadãos seus que viviam no território palestiniano. A mulher, russa, e os quatro filhos saíram através do território israelita. Ramzi saiu pelo Egipto porque estava convencido que a ele as forças israelitas não o deixavam passar. Agora, na Rússia, sem trabalho e sem casa, não sabe bem o que fazer. Em Gaza não havia condições para a família continuar a viver. Lamenta-se que em Gaza se vivia num “grande campo de concentração” donde não se podia sair, nem para realizar estudos que considerava indispensáveis para a sua profissão.
Como são as condições no Hospital em que trabalhava em Gaza?
Ramzi: No hospital há falta de camas mesmo em tempo de paz. Mesmo em tempo de paz quando se recebiam doentes – eu sou neuro-cirurgião, e cada dia cerca de 5 pessoas chegam com traumatismos cranianos – nós temos ao todo na neuro-cirurgia só 20 camas, e temos doentes com tumores cerebrais, e várias outras patologias, doenças da coluna vertebral, e as camas não são suficientes mesmo em tempo de paz. Quando chegam estes períodos terríveis, as coisas pioram muito. Bombardeiam as casas, dizem que mora lá uma certa pessoa e para matar essa pessoa, eles estão dispostos a fazer ir pelos ares o prédio inteiro de vários andares e morrem 16 pessoas, quase tudo crianças e mulheres. Houve uma altura em que trouxeram os feridos e eram só crianças e mulheres. Nessas alturas temos que pôr camas directamente na rua e sem fazer uma tomografia computorizada, passamos directamente à operação de abrir a cabeça para ver se há hemorragia. Não se encontra, fecha-se de novo. Não conseguimos fazer radiografias. Houve uma altura em que 16 morreram e os feridos eram mais de 100. Os neuro-cirurgiões são poucos, ao todo 4, e ajudam outros 4, como é que eles podiam observar 100 pessoas que chegam quase ao mesmo tempo? Depois não há luvas, nem algodão, nem outras coisas elementares. Às vezes abre-se o crânio e não se sabe como estancar a hemorragia, os aparelhos não funcionam, de maneira que se recorre às compressas, e volta-se a fechar durante três dias, para depois abrir para voltar a tirar tudo de novo, na esperança de conseguir parar a hemorragia. Os problemas são muitos, há falta de camas, de remédios, não há possibilidades de fazer tratamentos...