Já há mais de vinte dias que as minhas possibilidades de escrever para o jornal são à roda da questão do gás. Estava a pensar que agora que a coisa parece que chegou ao fim, ou seja, que o gás voltou a chegar à Europa e à Ucrânia, era altura de reflectir sobre a questão.
Hoje tive a ocasião de participar numa conferência de Imprensa sobre as alternativas europeias ao gás russo. Ao contrário do que estava à espera, foram ditas várias coisas interessantes. Elena Teleguina, directora do Instituto de Investigações Geopolíticas e de Segurança Energética, referiu alguns números curiosos, donde sai a conclusão de que, não só a Europa não vai gastar menos gás russo no futuro, como a maior parte deste vai ter de continuar a circular pela Ucrânia, por quanto isso possa desagradar aos cidadão da Rússia e da UE. A Gazprom é de longe o mais importante fornecedor da Europa, e isso não é uma novidade. Cerca de 25% do gás que se queima na Europa vai da Rússia. As reservas de gás da Noruega ou da Grã-Bretanha vão provavelmente diminuir. Elena Teleguina acha que a Europa não vai conseguir negociar os fornecimentos de gás “com uma posição única”. “Uma dependência de 100% são os países Bálticos, muitos países da Europa oriental que faziam parte da esfera de influência soviética, e o norte da Europa. A Alemanha depende em 43%, Polónia 62%, Áustria 72%. A Espanha não depende nada, a Itália depende pouco, Grã-Bretanha não depende nada. Esta situação não leva a crer que haja uma posição única e provavelmente as negociações vão continuar a ser bilaterais com cada um dos países.”
Os projectos alternativos que agora existem, são interessantes e... caros. “As principais alternativas são o “Fluxo do Norte” e o Fluxo do Sul (ambos projectos russos que evitam a Ucrânia), Nabuco, que contorna a Rússia, o qual até antes da crise não parecia realizável, dizia-se que era um projecto exclusivamente político, hoje há muitas mais perguntas quanto aos custos e realização do Nabuco. Há a possibilidade do Gás líquido, e agora volta-se a falar intensamente do projecto trans-sahariano, da Nigéria e através da Argélia, pode-se conseguir um fornecimento suplementar de gás”.
A questão é que quando se compara o gás que passa pela Ucrânia com os outros percursos alternativos, juntando os vários projectos, vê-se que essas novidades todas, ainda são pouco. Pelos gasodutos ucranianos, incluindo o que lá fica, passam 175 mil milhões de metros cúbicos por ano. O gasoduto que vem da região do Yamal (norte da Sibéria ocidental) para a Alemanha, através da Bielorússia e da Polónia, tem capacidade para 33 mil milhões de metros cúbicos por ano. Nas mesmas unidades (Gm3/ano), o projecto russo-alemão do “Fluxo do Norte” (Nord Stream) deverá vir a ter capacidade para 55, e poderá entrar em funcionamento em 2010, se tudo correr bem. Enquanto que o projecto “Fluxo do Sul”, que poderá estar em função depois de 2013, terá capacidade para 32 Gm3/ano. “A UE pretende com a diversificação de percursos melhorar o quadro de dependência, e talvez o gás líquido do Médio Oriente possa representar a melhor possibilidade, não como alternativa, mas como uma ulterior fonte de fornecimentos de gás”.”Os projectos “fluxo do norte” e “fluxo do sul” são muito bons, permitem evitar o trânsito através da Ucrânia, mas são muito caros. É preciso arranjar cerca de 30 mil milhões de euros para a construção”. “Estes custos acabam por cair no consumidor europeu, e no contexto da actual crise bancária são financiamentos muito caros. Mas a vontade política de conseguir uma segurança energética, ajudam a realizar estes projectos nos próximos 5 anos, mas o custo vai ser alto”.
“A Gazprom teve um lucro de 30 mil milhões no final de 2008, mas a situação piora no final do primeiro trimestre, porque seis meses de intervalo da ligação do preço do gás ao do petróleo vai levar a uma quebra dos preços para a Gazprom no mercado europeu. Portanto vai haver menos entradas e ainda os prejuízos da crise ucraniana”.
As energia alternativas, na opinião de Elena Teleguina, também não são a solução dos futuros problemas energéticos. “Energias alternativas podem ser a nova bolha. Vão haver grandes investimentos e vai ser um prazer muito caro, com uma aplicação limitada. Não podemos assegurar que mesmo depois de 2020, possa haver 10 12% de energia de fontes alternativas. 20% é um sonho, nem em 2030”.
“A Europa não tem outra saída. A única coisa a fazer é conseguir condições de transito transparentes de forma a que o gás necessário chegue à Europa”.
Há ainda a questão do tão falado gasoduto “Nabuco”, que deverá levar o gás do mar Cáspio e da Ásia Central para a Europa. Segundo Elena Teleguina, “o Nabuco não é concorrente do Fluxo do Sul. A questão está ligada à possibilidade de utilizar o gás do Turcomenistão, mais ainda do que do Azerbaijão. Mas como a Rússia estabeleceu um acordo de longo prazo com o Turcomenistão, no transporte através do seu território, o Nabuco praticamente morreu”.
A conclusão é que nem a Rússia, nem a Ucrânia, mesmo se em graus diferentes, são substituíveis no contexto do fornecimento de energia à Europa, nas próximas décadas. Por isso, há que aprender a conviver com estes parceiros um bocado “difíceis”.