Ramzi é neuro-cirurgião e formou-se na Rússia. Deixou Gaza no dia 3, quando a Rússia organizou um voo para repatriar cidadãos seus que viviam no território palestiniano. A mulher, russa, e os quatro filhos saíram através do território israelita. Ramzi saiu pelo Egipto porque estava convencido que a ele as forças israelitas não o deixavam passar. Agora, na Rússia, sem trabalho e sem casa, não sabe bem o que fazer. Em Gaza não havia condições para a família continuar a viver. Lamenta-se que em Gaza se vivia num “grande campo de concentração” donde não se podia sair, nem para realizar estudos que considerava indispensáveis para a sua profissão.
Como são as condições no Hospital em que trabalhava em Gaza?
Ramzi: No hospital há falta de camas mesmo em tempo de paz. Mesmo em tempo de paz quando se recebiam doentes – eu sou neuro-cirurgião, e cada dia cerca de 5 pessoas chegam com traumatismos cranianos – nós temos ao todo na neuro-cirurgia só 20 camas, e temos doentes com tumores cerebrais, e várias outras patologias, doenças da coluna vertebral, e as camas não são suficientes mesmo em tempo de paz. Quando chegam estes períodos terríveis, as coisas pioram muito. Bombardeiam as casas, dizem que mora lá uma certa pessoa e para matar essa pessoa, eles estão dispostos a fazer ir pelos ares o prédio inteiro de vários andares e morrem 16 pessoas, quase tudo crianças e mulheres. Houve uma altura em que trouxeram os feridos e eram só crianças e mulheres. Nessas alturas temos que pôr camas directamente na rua e sem fazer uma tomografia computorizada, passamos directamente à operação de abrir a cabeça para ver se há hemorragia. Não se encontra, fecha-se de novo. Não conseguimos fazer radiografias. Houve uma altura em que 16 morreram e os feridos eram mais de 100. Os neuro-cirurgiões são poucos, ao todo 4, e ajudam outros 4, como é que eles podiam observar 100 pessoas que chegam quase ao mesmo tempo? Depois não há luvas, nem algodão, nem outras coisas elementares. Às vezes abre-se o crânio e não se sabe como estancar a hemorragia, os aparelhos não funcionam, de maneira que se recorre às compressas, e volta-se a fechar durante três dias, para depois abrir para voltar a tirar tudo de novo, na esperança de conseguir parar a hemorragia. Os problemas são muitos, há falta de camas, de remédios, não há possibilidades de fazer tratamentos...