Soube-se hoje da morte Vitali Ginzburg, prémio Nobel da Física em 2003, e um dos grandes expoentes da ciência do séc. XX. De nome conhecia-o desde os bancos da faculdade, pela teoria de Ginzburg-Landau, e por ser co-autor com o mesmo Lev Landau de alguns livros física. Pessoalmente conheci-o numa recepção da embaixada portuguesa em Moscovo, pouco depois de ele ter recebido o prémio Nobel. Alguns dias mais tarde aceitou dar-me uma entrevista para “O Independente”. Acrescento uma parte dessa mesma entrevista para recordar o cientista e o homem.
P.: Na URSS houve um grande desenvolvimento de alguma áreas científicas, por outro lado o poder restringia as liberdades e chegava a interferir no âmbito da própria ciência...
V.G.: É preciso ter em conta que havia situações muito diferente nos tempos soviéticos. Uma coisa era a física e outra a biologia. Até à altura da revolução os únicos russos que receberam o prémio Nobel eram dois biólogos, Pavlov e Mechnikov (Ivan Pavlov em 1904 e Ilya Mechnikov em 1908). Eu não sou biólogo mas posso citar nomes de grandes biólogos como Koltsov ou Vavilov. O que aconteceu a Nikolai Koltsov, se morreu ou se o envenenaram, não se sabe. Mas o que se passou com Nikolai Vavilov sabe-se. Ele era um botânico muito conhecido e morreu em na prisão em 1943. O que se passou ficou conhecido pela “lisenkovania”. Lisenko (Trofim Lisenko, biólogo soviético) foi um personagem que conseguiu entrar nas boas graças do poder de então, inicialmente com Estaline e depois com Khrushchov, e praticamente destruiu a biologia soviética. Em 1938 houve uma sessão em que Lisenko discursou, e alguns opuseram-se, mas depois ele fez saber que Estaline o apoiava, e os que se tinham agitado, foram perseguidos, e foi a biologia foi arrasada completamente. Só depois de ter sido deposto Khrushchov, em 1964, é que se começou a criar novamente a biologia soviética. Eu lembro-me que só em 1965 é que apareceu o primeiro artigo a criticar Lisenko. Com consequências menos graves foram atingidas foram outras áreas. A cosmologia também era considerada uma coisa negativa, a cibernética... Mas os físicos em geral não sofreram assim muito.
P.: Porque é que a física teve um tratamento diferente?
V.G.: Porque era necessário produzir armas. Houve, no entanto, a questão da mecânica quântica. Alguns afirmavam que a mecânica quântica estava em contradição com o materialismo dialéctico, e houve sérios problemas. Em 1949 havia intenções de fazer com a física a mesma coisa que tinha feito Lisenko com a biologia. Preparava-se uma reunião, e eu estava para ser uma da vítimas desse tempo, deviam liquidar-me. Não se sabe ao certo come se passaram as coisas, mas diz-se que Kurtchatov (Igor Kurtchatov, “pai” da bomba atómica russa) disse a Beria (Lavrenti Beria, então presidente do conselho de ministros) “sem a mecânica quântica não podemos produzir a bomba atómica”. Era antes da explosão da primeira bomba. A reunião foi suspensa sem se saber porquê, o que significa que houve uma intervenção directa de Estaline. Beria teria afirmado que “o que nós precisamos é da bomba”, e Estaline cancelou a reunião. O facto de a física se ter desenvolvido entre nós, assim como a matemática, e um pouco menos a química e as outras ciências, foi porque de uma forma significativa eram necessárias para a corrida aos armamentos.
P. : O prof. Ginzburg que relações teve com outros físicos famosos como por exemplo Lev Landau ou Andrey Sakharov?
V.G.: Eu considero meus mestres Igor Tamm e Lev Landau. Na minha “Lição Nobel”, eu sublinhei a minha satisfação pelo facto de que também eles tinham já sido prémios Nobel (Tamm em 1958 e Landau em 1962). Com eles eu estive muito ligado. Com Igor Tamm eu estive ligado ainda por motivos de organização, dado que eu era o seu vice, e depois quando ele morreu, em 1971, tornei-me chefe do departamento que ele dirigia. Com Landau não havia uma ligação formal. Eu frequentava os seminários que ele dava, e considero-o um dos meus mestres. No que respeita a Sakharov, ele em 1945 trabalhava no nosso departamento. Depois ele foi para o “local dos trabalhos” (laboratório ligado à construção da bomba atómica em Sarov), mas voltou em 1949, e até 1971, eu era formalmente o seu chefe. Fui visitá-lo a Gorki quando ele foi exilado, e recusei-me a assinar a carta em que ele era criticado. O projecto da bomba termonuclear (bomba de hidrogénio) era baseado em duas ideias, uma de Sakharov e a outra minha. Mas a mim não me mandaram para o “local dos trabalhos”, porque a minha mulher tinha sido perseguida e exilada.
P. O prémio Nobel foi-lhe atribuído pela teoria fenomenológica que explica a Supercondutividade e a Superfluidez...