as coisas que conta um português que anda pela Rússia

Quinta-feira, 6 de Novembro de 2008
AS REFORMAS DE MEDVEDEV

 

Um dos pontos do “discurso à nação” de Dmitri Medvedev que tem dado mais que falar é a aumento da duração do mandato presidencial. Reconheça-se que ele não está a pedir nada para si mesmo – as emendas a serem introduzidas na Constituição não deverão dizer respeito aos mandatos em curso (quer presidencial quer parlamentares). Há também quem diga que esta não é uma ideia de Medvedev mas um projecto da equipa que já vem do tempo de Putin e cujo principal expoente é Vladislav Surkov. De qualquer forma, o primeiro beneficiário do mandato mais longo será o próximo presidente, que, obviamente, poderá ser Vladimir Putin. Hoje alguns órgãos da Imprensa russa avançaram a ideia de que poderia até haver eleições antecipadas, e poderiam ser já no próximo ano. A minha opinião pessoal é que não há razão para isso. No fundo é a mesma equipe, que se encontrava no poder durante a presidência de Vladimir Putin, que continua a controlar o andamento das coisas. É possível que haja alguns atritos internos dentro desse mesmo grupo, mas tem-se conseguido manter razoavelmente coeso. Eleições antecipadas para levar novamente Putin à presidência iriam estragar ainda mais a imagem do regime a nível internacional. Não me parece que haja nenhuma conveniência nisso nem mesmo para Putin.

  

A propósito das alterações dos mandatos, queria deixar aqui alguns comentários de Viktor Sheinis, um dos autores da actual Constituição russa (1993). Afirmou hoje Sheinis: “Essas medidas (alargamento dos mandatos) não me parecem nem fundamentadas nem razoáveis, nem correspondentes em geral com a democratização do país. Quando ao eleitor restam só poucas possibilidades de exprimir a sua opinião, de exprimir a sua preferência por este ou aquele personagem ,por este ou aquele deputado, aumentar a distância entre os prazos em que eles podem realizar esse direito, é uma medida antidemocrática, e não é uma medida de acordo com a nova ordem constitucional. Pode-se fazer, e no contexto actual é até fácil de realizar. Querendo pode-se realizar em dois meses, sem ter muita pressa. Mas o que resulta daí? Ontem ouvi alguns comentários e havia só uma conclusão: “chega uma pessoa (à presidência) e é preciso dar-lhe mais tempo para a realização da suas ideias”. Em primeiro lugar, um prazo de oito anos, se se trata de um bom presidente, que conseguiu ganhar o apoio necessário, oito anos é mais do que suficiente para realizar quaisquer planos. Em segundo lugar, porque é que o acento se põe de forma “cesariana”? Chega uma pessoa e vai pôr em pratica um programa que ele concebeu. Do meu ponto de vista a democracia deve basear-se, não num “césar” que tudo pode, mas nas instituições democráticas... Os prazos são diferentes de país para país, mas a tendência mundial, como se viu em França, é exactamente ao contrário, passagem de 7 para 5 anos, e não de 4 para 6. E ainda uma nota em relação a isto. Não se percebe por que é que se vai dar um presente destes aos nossos deputados, os quais não demonstram independência política, porque é que se lhes acrescenta um ano?”

Sheinis considera uma boa notícia a proposta do presidente para que os juizes “tenham maior equilíbrio quando optam por medidas de detenção ou escolham como pena medidas de isolamento da sociedade” (citação do discurso do presidente). “Uma excelente ideia”, diz Sheinis, e continua “Não é necessário manter um milhão de pessoas na prisão. Para crimes de funções ou crimes económicos, não é necessário dar penas relacionadas com a limitação da liberdade. Atrás da grades é preciso pôr os que podem provocar um dano real aos cidadãos e ao Estado. Atrás das grades devem estar os espiões, mesmo se as acusações de espionagem contra alguns investigadores são muito duvidosas, devem estar os desordeiros, os assassinos, violadores, etc. Em relação a todos os outros... Em relação a todos os outros em posso contar um facto. Quando chegou ao poder Gorbatchov e começou a fazer uns discursos muito bonitos, eu e os meus amigos formulámos alguns critérios para saber quando é que essas palavras podiam ser levadas a sério. Um desses critérios era a libertação de Andrei  Sakharov. Como se lembram isso aconteceu em Dezembro de 1986. Gorbatchov tinha chegado ao poder em Março de 1985. Foi uma coisa muito difícil de fazer, porque o sistema, o politburo era contra essa iniciativa de Gorbatchov. Agora um sinal seria realizar um acto de misericórdia em relação a uma mulher (Svetlana Bakhmina, funcionária da Yukos) que puseram na prisão só porque se recusou a testemunhar contra o seu chefe, quando existe uma opinião pública dum certo tipo, isso seria um sinal muito significativo. Por enquanto esse sinal não o querem dar. Veremos o que nos trará o futuro”...



publicado por edguedes às 21:56
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