as coisas que conta um português que anda pela Rússia

Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2009
ADVOGADO INCÓMODO ASSASSINADO

 

 

Podia ser mais um crime que frequentemente aparecem nas páginas dos jornais de Moscovo, mas chamou-me a atenção o facto de que as primeiras notícias de agência que falavam do assunto se referiam à vítima como o “advogada da família de Elsa Kungaeva”. O local onde ele foi assassinado, na rua Prechistenka, é perto da minha casa. Umas horas antes tinha visto que havia uma conferência de Imprensa do advogado Stanislav Markelov, que tinha como tema a saída em liberdade condicional provisória do coronel Budanov, condenado pelo assassínio de Elsa Kungaeva, em Março de 2000, quando Budanov comandava um batalhão na Chechénia. A conferência de Imprensa era do “Centro de Imprensa Independente”, que fica precisamente na rua Prechistenka. Pelo horário do crime e da conferência de Imprensa era evidente que o assassino calculou aproximadamente a hora a que Markelov sairia do local e esperou por ele a caminho da estação do metropolitano. Disparou por trás, um tiro na nuca, com uma pistola com silenciador, a morte foi imediata. Junto com Markelov caminhava uma jornalista da “Novaia Gazeta”, Anastacia Baburova, que provavelmente foi vítima da sua própria coragem, dado que tentou deter o killer e este disparou-lhe um tiro que se veio a revelar fatal. Aparentemente a causa do crime poderia ser mesmo o caso do coronel Budanov, dado que Markelov tencionava interpor um recurso contra a decisão do tribunal que permitiu a saída em liberdade de Budanov. Mas o facto é que entre os casos que de que Markelov se ocupava, não faltam motivos que pudessem levar ao crime que hoje ocorreu. Anna Politkovskaia, tinha-se referido a Markelov, como “o primeiro advogado que começou a trabalhar na Chechénia, defendendo os direitos da gente daquela república”. Em 2005 levou até à condenação o caso de um oficial (S. Lapin, conhecido como Cadete) das tropas especiais que fizeram serviço na Chechénia, pelas brutalidades cometidas contra cidadãos civis. Lapin foi condenado a 11 anos de cadeia. O caso tinha sido despoletado pelos artigos de Anna Politkovskaia, que anteriormente tinha sido repetidamente ameaçada, e teve mesmo que “desaparecer” durante um certo período. Actualmente Markelov tinha levado ao Tribunal Europeu para os direitos humanos o caso de Zaur Musikhanov, da Chechénia, acusado pelas autoridades russas de ter participado nos “bandos armados ilegais” (guerrilha) e condenado a 9 anos de prisão. Segundo Markelov ele devia ter sido amnistiado porque só tinha estado dois meses com os guerrilheiros e não tinha cometido acções violentas. Um dos casos a que se dá mais atenção refere-se, porém, a Moscovo. Em Khimki, um arredor da capital russa por onde se passa a caminho do principal aeroporto (Sheremetievo), um jornalista, Mikhail Beketov, que editava um jornal local, foi espancado quase até à morte. Em foco estava um conflito por causa da passagem de uma estrada através de uma zona verde (o bosque de Khimki) e, naturalmente, montantes chorudos ligados ao negócio, que Beketov denunciava nas páginas do seu jornal. Stanislav Markelov era o advogado dos de Beketov e dos cidadãos de Khimki que se opõem à construção da estrada.

Os familiares de Elsa Kungaeva estão convencidos de que o assassínio de Markelov tem a ver com o caso deles e do coronel Budanov. “Ele telefonou-me na sexta-feira, e logo no primeiro minuto de conversa afirmou que estava a ser ameaçado, e eram ameaças de morte, se não deixasse de se ocupar do caso da família Kungaev”, relatou Vissa Kungaev, pai de Elsa.

Stanilav Markelov tinha só 34 anos, mas já um notável currículo como advogado de causas difíceis contra poderosos e prepotentes. Numa manifestação “contra o terror”, em Moscovo, em Novembro passado, Markelov disse o seguinte:

 

 

(video do site grani.ru, http://grani-tv.ru/entries/599/ )  

 

 

 

Eu estou numa estranha situação, eu sou o advogado de todos os que caíram nesta história terrível. Eu estou cansado, estou cansado de encontrar pessoas minhas conhecidas nas crónicas do crime, eu estou cansado do facto que a uma semana destes acontecimentos eu estava sentado com Mikhail Beket na sua casa e ele dizia-me que se sentia só a lutar contra todos, e isto veio a revelar-se verdade. Eu estou cansado pelo facto de que abro um processo crime e o primeiro ponto da acusação é que o acusado é membro do movimento antifascista. E por isso, não só apresentam uma acusação, por isso também prendem, como aconteceu agora a Olessinov. Eu estou cansado de ler crónicas do crime com listas de vítimas, como Filatov que foi morto à entrada da sua casa. Isto já não é trabalho, isto é uma questão de sobrevivência. Se agora Mikhail Beket tem necessidade de sangue (transfusão), nós todos temos necessidade de protecção. Precisamos de protecção contra os nazistas, precisamos de protecção contra os poderes mafiosos, e dos órgãos policiais que frequentemente os servem, nós todos temos necessidade de defesa. E nós percebemos perfeitamente que além de nós mesmos, mais ninguém nos pode oferecer essa defesa. Nem Deus, nem o czar, nem a lei, ninguém. Só nós mesmos. Quando oferecermos o ombro para apoiar o outro quando pudermos defendermo-nos uns aos outros, só então é que nos libertamos desta situação. Espero que venha a ser assim, senão nós viemos aqui inutilmente. 

 



publicado por edguedes às 22:00
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