Passaram-se dois anos desde que Anna Politkovskaia foi assassinada à saída do elevador da sua casa. Hoje houve uma manifestação na praça Puchkin, em Moscovo, para recordar a jornalista e para sublinhar que há quem queira ver os resultados das investigações da polícia. Pensei em passar por lá, em sinal de homenagem a Anna Politkovskaia. Chovia e estava à espera de que houvesse muito pouca gente. Mesmo assim haveria umas 300 pessoas na praça. Polícias eram certamente muito mais. Entre as pessoas que tomaram a palavra havia colegas, defensores dos direitos humanos e alguns políticos, estes todos da área liberal, que quase perdeu completamente a expressão (Mikhail Kassianov, Boris Nemtsov, Garry Kasparov, Leonid Gozman). Acabei por ficar até ao fim. A coisa que achei mais interessante foi uma antecipação de um filme sobre Politkovskaia. O resto das informações novas já tinha saído na “Novaia Gazeta” onde a Anna trabalhava.
Saiu uma entrevista com o investigador principal que tem estado a seguir o caso, Petros Garibian, do Comité de Investigação da Procuradoria-Geral da Rússia, em que se precisa alguns pontos. O caso foi enviado para tribunal e o processo poderá ter início no próximo dia 15 no Tribunal Militar do Círculo de Moscovo. Garibian explicou que foi parar a um tribunal militar porque há um dos figurantes, o tenente-coronel Riaguzov, que é do FSB (Serviço Federal de Segurança). Há o risco de o caso vir a ser um julgamento à porta fechada, dado que há documentos “secretos” que dizem respeito a Riaguzov e a Khadjikurbanov, este ex-agente da Direcção de Investigação Central para o Combate ao Crime Organizado. Segundo Garibian, não há provas de que Riaguzov esteja ligado ao assassínio de Politkovskaia, mas Khadjikurbanov é acusado de ser o organizador. Ambos figuram como réus num outro caso, de extorsão, por isso, os dois crimes ficaram ligados num único processo...
Garibian afirma que o quadro de como as coisas se passaram está relativamente claro. Os quatro figurantes que são acusados de envolvimento directo no crime são Serguei Khadjikurbanov e os irmãos Makhmudov, mais precisamente Djabrail, Ibraguim e Rustav, originários da Chechénia. Rustav seria o autor dos disparos, enquanto os outros dois irmãos ajudaram a seguir a vítima e informaram o “killer”. Rustav Makhmudov anda a monte, não se sabe onde. Garibian disse à Novaia Gazeta, que mesmo que soubesse onde ele estava não o diria. Consta que ele conseguiu fugir para fora da Rússia quando algumas informações sobre o andamento das investigações “escaparam” para os jornais. Segundo Garibian, o crime foi ensaiado previamente, e as imagens das video-câmaras de segurança mostraram que uma vez o assassino deu de caras com Anna Politkovskaia ao abrir a porta da entrada do prédio. O investigador é da opinião de que os três que estão presos, assim como o executor do crime, agiram simplesmente por dinheiro, por isso ainda falta a parte mais importante das investigações, que é descobrir quem encomendou o crime. Quanto a saber coisas dos que já estão presos, considera que é muito difícil. “Acha possível que irmãos, de etnia chechena, possam testemunhar uns contra os outros?”, replicou Garibian à pergunta do jornalista, sobre a disponibilidade dos detidos a colaborar com as investigações. No entanto, o investigador afirma que as investigações não pararam e que o processo teve de avançar com as acusações contra os que já estavam detidos, para respeitar os tempos previstos pela lei russa. “Nós ainda estamos a trabalhar em toda a cadeia (de factos). Ainda vão ser chamadas à responsabilidade outras pessoas, se nós conseguirmos descobrir e provar a sua culpa. Tudo isso será num processo à parte”, refere Garibian.
No entanto, os familiares e colegas de Anna Politkovskaia insistem no facto de que o processo deve ser aberto. Há muitos precedentes da justiça russa em que a transparência não é a nota dominante, e um processo à porta fechada é meio caminho andado para não se chegar a saber quem é que estava por detrás do assassínio de Anna Politkovskaia.
Segundo a versão de Iulia Latinina, a encomenda de eliminar Anna Politkovakaia teria recebido um certo Lom-Ali Gaitukaiev, tio do tal Buraiev que recentemente foi posto em liberdade. Gaitukaiev seria uma “autoridade” (tipo “padrinho”, na linguagem da mafia siciliana) do crime organizado, mas com estreitas relações com o FSB. Gaitukaiev entretanto foi preso por via de um outro caso, e daí o telefonema do oficial do FSB, Pavel Riaguzov, a Chamil Buraiev, depois de ter obtido o endereço de Anna Politkovskaia na base de dados do FSB. Iulia Latinina teme que no tribunal as coisas não se vão esclarecer, porque as autoridades já tiveram as informações que pretendiam e não têm interesse em ir mais longe. Segundo a jornalista, uma demonstração disso foram as tais fugas de informação, que permitiram ao executor de se pôr a salvo, e aos organizadores de permanecerem na sombra. Veremos se Latinina, que é frequentemente muito radical nas afirmações que faz, vai ter razão. Entretanto, temos que admitir que para investigações concluídas, a informação não é muita.